Especial de domingo: Arraes, Agamenon, Tancredo e Getúlio

10/04/22

blogfolhadosertao.com.br

*Por Ítalo Rocha Leitão

 

A política brasileira sempre foi pródiga na criação de personagens que entraram para a história do país e ficaram para sempre na memória coletiva da população. Alguns desses personagens jamais serão esquecidos e algumas situações que vivenciaram também.  Em pernambuco, podemos destacar duas figuras marcantes, os ex-governadores Miguel Arraes de Alencar e Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães. No âmbito nacional, os ex-presidentes Getúlio Dornellas Vargas e Tancredo de Almeida Neves. Muitos desses casos são registrados em livros. Outros, ainda não.

Getúlio

No dia em que tomou posse como ministro da Fazenda do presidente Washington Luís, Getúlio Vargas se deparou com uma enorme fila nos salões do Ministério, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Eram os cumprimentos ao novo ministro. A cada desejo de boa sorte na nova missão, um pedido de emprego ou de liberação de verbas. Com fadiga física de tantos apertos de mão e abraços, Getúlio finalmente se viu cara a cara com o último cidadão daquela fila quilométrica. Ao cumprimentá-lo, o cidadão disse-lhe ao pé do ouvido que desejava sorte e muito sucesso. E, meio apressado, deu meia volta para se retirar. Foi quando Getúlio o puxou pelo braço e perguntou: Você não vai me pedir nada? E recebeu como resposta: Eu já disse ao senhor que vim aqui apenas para cumprimentá-lo e desejar sucesso! Getúlio ficou emocionado e extremamente impressionado com o desprendimento daquele homem, bem vestido, bem penteado e de ótima aparência. Ao se recolher ao gabinete para dar início aos despachos, mandou chamar um dos assessores mais próximos. Contou o ocorrido e disse que não conseguia esquecer aquela cena. Foi quando o assessor esclareceu tudo: Dr. Getúlio, aquele homem é um maluco e uma das manias dele é ir para a posse de ministros, ficar no último lugar da fila e, na hora do cumprimento, dizer que veio apenas para desejar sucesso ao empossado!

Tancredo

Nos primeiros anos da década de 60, com o Congresso já funcionando em Brasília, o deputado federal Tancredo Neves se dirigia pelos corredores da Câmara para o seu gabinete, acompanhado de assessores, quando um deles lhe alertou que estava vindo na direção contrária o também deputado José Maria Alckmin, seu conterrâneo, que pouco tempo depois, no golpe militar de 64, seria escolhido vice-presidente da República do general Castelo Branco. Assim como Tancredo, Alckmin também já era considerado uma raposa felpuda da política.
Tancredo quis saber qual era a razão para tanta apreensão dos assessores diante do casual encontro. Eles lembraram ao chefe que Alckmin o havia convidado pro seu aniversário e Tancredo não teria ido nem dado satisfações. Pela lei da física, a distância entre os dois grupos só fazia diminuir. Mas, Tancredo tranquilizou a todos. Fiquem calmos, já tenho a solução! Quando chegou o momento fatal, Tancredo apertou a mão do amigo e colega deputado e disse em alto e bom som: Alckmin, eu não fui pro seu aniversário, mas lhe mandei um telegrama desejando felicidades!
E Alckmin, que tinha uma matreirice invejável também, não titubeou: E eu já respondi seu telegrama, meu conterrâneo Tancredo!
Os assessores dos dois deputados ficaram perplexos porque essa troca de telegramas nunca existiu.

Arraes

Quem presenciou, jamais esqueceu o dia em que Arraes recebeu, em seu gabinete do Palácio do Campo das Princesas, o marqueteiro Duda Mendonça. Na época, 1998, se tratava do publicitário mais disputado do efervescente mercado do marketing político. Sua fama de ganhar eleições, as mais difíceis possíveis, percorria o país de Norte a Sul. Arraes teria uma eleição tranquila pra senador. As pesquisas indicavam que ele seria disparado o mais votado. Porém, as circunstâncias políticas o convenceram a disputar a sua reeleição. Sentado na cadeira de governador de Pernambuco pela terceira vez, Arraes recebeu Mendonça com um afago contido, como era seu estilo. Alguns secretários estavam presentes e fizeram um relato da difícil situação financeira do estado para o às do marketing político. Tudo porque o presidente Fernando Henrique Cardoso perseguia e massacrava o estado. Apesar de o vice-presidente da República ser de Pernambuco, nenhum projeto era aprovado em Brasília. A privatização da Celpe estava com uma pedra em cima colocada pelo grupo de oposição a Arraes com o apoio de FHC. Enfim, um rosário de problemas! E Arraes, calado, só ouvindo os diálogos entre os assessores e o publicitário baiano.
Ao final, Duda Mendonça olhou pro governador e disse: Eu não faço milagre ! Arraes, com seu olhar certeiro e profundo, como era seu jeito, ficou cara a cara com o
marqueteiro, e respondeu: Eu pensei que fizesse !!!
Duda Mendonça, que entrara naquela sala se sentindo o rei dos reis, saiu com o andar meio desajeitado.

Agamenon

No mesmo Palácio que teve o encontro de Arraes com o marqueteiro baiano, o governador Agamenon Magalhães viveu também situações inusitadas. Uma delas foi no começo dos anos 50. Poucos meses depois de tomar posse, apareceu para pedir um encontro de urgência com o governador uma liderança do Sertão. Dizia ser uma questão familiar e que só sairia dali quando fosse atendido. Pelo nome, Agamenon identificou quem era. Tratava-se do maior traíra. Já havia trocado de grupo várias vezes e sempre contra o governo. Mas, Agamenon, com sua verve política e seu sangue sertanejo, decidiu receber o renegado. Ao ser aberta a porta do gabinete, o governador tomou um susto: o politico desleal entrou ajoelhado e se postou na frente da mesa de trabalho de Agamenon.
Governador, venho aqui lhe dizer que se o senhor atender o pedido mais importante da minha vida, jurarei fidelidade eterna ao senhor! A primeira providência de Agamenon foi pedir que o visitante se recompusesse e lhe ofereceu uma cadeira. Entre soluços e choros, o homem lhe pediu um emprego pro filho que acabara de se formar em Agronomia pela UFRPE. Para encurtar logo aquela cena meio fora do comum, Agamenon puxou um cartão de visitas e escreveu um bilhete indicando ao secretário de Agricultura a colocação do jovem agrônomo. Matreiro que só, Agamenon tinha um código interno com os secretários. Ao escrever “faça” um favor sem o cedilha, a frase ficava “faca” um favor. Ou seja, corte ! Seis meses depois daquela fatídica audiência, o governador foi visitar o Sertão. Em uma determinada cidade, com o calor de rachar, Agamenon viu no meio das pessoas um homem lhe acenando com as duas mãos. E o reconheceu. Era o pai do agrônomo. O governador pediu aos assessores que evitassem o encontro dele com aquele senhor. Não tinha atendido o pleito dele e não queria mais ouvir aquela ladainha inconveniente. Mas, não teve jeito. Em uma determinada ocasião o homem chegou perto de Agamenon e foi logo dizendo:
Governador, não tenho palavras pra lhe agradecer. O meu filho se deu tão bem na secretaria que já assumiu um cargo de chefia. Governador, o meu menino é tão inteligente que quando leu o cartão do senhor, percebeu que estava faltando um cedilha e ele colocou esse cedilha porque um governador não pode escrever errado um bilhete pra ninguém!

*Italo Rocha Leitão é jornalista

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