14/12/22
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Pressionado pela desconfiança dos investidores com a sustentabilidade futura das contas públicas com a alta de gastos prevista para 2023, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se comprometeu a antecipar em 2023 o envio ao Congresso do projeto de criação de um novo arcabouço fiscal em substituição ao teto de gastos. Haddad também adiantou que o projeto vai andar junto com a reforma tributária, prioridade do primeiro ano do governo Lula 3.
Na primeira entrevista coletiva após a sua indicação pelo presidente eleito Luiz Inácio da Silva, Haddad se comprometeu a buscar “obstinadamente” o ajuste das contas públicas sem penalizar a população. “Não aceitaria o cargo se não fosse para fazer isso”, disse. “”Temos que compatibilizar responsabilidade fiscal com social. Fizemos isso, sabemos fazer, voltaremos a fazer”.
Haddad também afirmou que vai focar a política econômica no aumento de crédito no País de forma “responsável”, com redução de spread (a diferença entre o que o banco paga e o que cobra dos clientes) e juros para o tomador final.
As primeiras sinalizações de política econômica do futuro ministro são uma tentativa de dar uma resposta aos agentes do mercado financeiro que veem risco de o novo governo não apresentar um plano consistente de ajuste no médio e longos prazos capaz de colocar as contas públicas na rota de superávits (resultados no azul), depois da contratação do aumento de gasto de mais de R$ 168 bilhões com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da transição.
A PEC prevê o prazo até agosto de 2023 para o governo apresentar uma nova regra fiscal. O texto foi construído para que a revogação do teto de gastos e sua substituição possa ser feita por lei complementar sem precisar de aprovação de uma nova PEC, o que trairia mais custo político a Lula para aprovação de um nova emenda constitucional.
“O novo arcabouço fiscal que eu vou apresentar e já tem data pra isso, e se depender eu antecipo, nós vamos caminhar o quanto antes. Essas duas coisas poderiam caminhar juntas, porque a reforma tributária é parte do arcabouço fiscal’, disse.
Por trás da fala de Haddad, está a visão do novo governo que a reforma tributária será um importante instrumento a melhorar o ambiente econômico com grande potencial de crescimento. Com maior expansão do Produto Interno Bruto (PIB), espera-se mais arrecadação e melhoria das contas públicas. Ele não quis fazer uma previsão de quando as contas do governo federal voltarão a ficar no azul no cenário com a PEC, mas disse que a previsão de receitas no orçamento está subestimada, e que depois de uma avaliação dos números, em janeiro, poderá responder a essa pergunta.
A previsão de negociadores do governo da PEC, segundo mostrou o Estadão, é de que as receitas de 2023 poderão ser R$ 50 bilhões maiores do que o previsto pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Haddad mais uma vez procurou se distanciar das negociações da PEC no Congresso. Questionado pelo Estadão, se poderia trabalhar para desidratar o alcance da PEC, como é cobrado por integrantes do mercado financeiro, ele disse que será o Congresso que fará o “ajuste fino da proposta”. “Vamos ver qual é a decisão final”.
Já a escolha de Bernard Appy, a quem chamou pelo apelido de Beco, para tocar a reforma tributária mostrou a opção pelas duas propostas de PEC (110 e 45) que já tramitam no Congresso.
Teto de gastos
Haddad reconheceu que já foi crítico ao teto de gastos. “Fui crítico do teto de gastos porque entendia que aquela regra não era confiável. O arcabouço fiscal que pretendemos encaminhar tem que ter a premissa de demonstrar a sustentabilidade das finanças públicas”, disse. Ele disse que está recebendo propostas sobre a nova regra fiscal, inclusive uma da equipe de transição. “Isso vai ser levado em consideração. Entendo que nós temos um prazo para nos debruçarmos sobre essa proposta e validarmos ela com o presidente da República. Vamos elaborar uma proposta para o presidente.”
Herança maldita?
Haddad falou que terá de corrigir os erros da atual gestão do governo Bolsonaro, mas evitou nomeá-los de “herança maldita”. “Não estou falando de herança maldita ou bendita, não vou entrar nessa. Estou falando uma real”, afirma, sobre o que chama de “lambança” causada pelo governo Bolsonaro. “A farra eleitoral custou caro ao País, mas vamos conseguir recolocar as variáveis macroeconômicas numa trajetória adequada”.
Investimentos públicos e privados
Haddad destacou que o Brasil é um destaque em Parcerias Público-Privadas e disse que quer alavancá-las em seu governo, mas reforçou que o Estado tem papel importante. “Ainda há travas que podem ser superadas, mantendo um ambiente robusto de controle, sem nenhuma irresponsabilidade. Mas há uma ansiedade por investimentos de longo prazo e nem sempre isso cabe no mercado de capital privado. Quando cabe, tanto melhor, não queremos substituir, deixar ele andar”, disse. “No campo da mobilidade urbana, um corredor você consegue fazer com orçamento, mas se for fazer metrô, nem sempre a conta fecha. A ideia da PPP é essa. O Minha Casa, Minha Vida, que não é PPP, é parceria. O setor privado é imprescindível, pois ajuda o Estado a não errar.”
Bancos públicos
Haddad afirmou que o Banco do Brasil e a Caixa são importantes instrumentos de crédito no País e que os nomes para comandá-los serão escolhidos por Lula. “Existem bancos fortes que não têm agência. Você pode garantir mais concorrência e flexibilidade a partir de instrumentos tecnológicos que não estavam disponíveis. Isso avançou ao longo de governo. Com os rigores da supervisão do Banco Central, podemos ter uma profusão de agentes que vão ajudar a democratizar o credito e fazer o juro cair”, disse.
Fila do INSS
Entre as críticas à atual gestão, Haddad mencionou as filas do INSS. “Por exemplo, o INSS: foram retirados os filtros para acabar artificialmente com a fila. Essa é a real. É isso que vamos ter que resolver ano que vem e vamos trabalhar para resolver”, disse. “E vamos resolver, porque vamos ter uma equipe capacitada, disposição de trabalho.”
Desoneração de combustíveis
Haddad disse que não tem ainda uma decisão sobre a prorrogação ou não da desoneração de impostos sobre os combustíveis em 2023. “Vou dar uma olhada no relatório do orçamento e temos que esperar a decisão do Congresso sobre a PEC da Transição. Sem essas duas leis nas mãos, não tenho nem como sugerir uma decisão ao presidente Lula”, afirmou. “Há ainda a decisão do STF sobre a questão do ICMS dos Estados sobre os combustíveis. Temos um tempo aí de uma semana em que saberemos qual vai ser a realidade de 2023?, disse.
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