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Por Ricardo Leitão*
Como se fossem pouco a pandemia, o desemprego e a inflação, o presidente Jair Bolsonaro obrou mais uma crise, a militar. Cevou-a com cuidado, ao convidar para uma manifestação política, ao seu lado, o general do Exército Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Pazuello não só foi (“Ele manda, eu obedeço”) como discursou, diante de centenas de pessoas, no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro.
O ex-ministro da Saúde afrontou naquele momento as regras disciplinares do Exército, que proíbem a participação de seus integrantes em manifestações de caráter político-partidário. Em consequência, passou a responder a um processo por indisciplina, por ordem do comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira.
Jogo jogado? Não, para Bolsonaro crise só é boa quando é grande. Decidiu então Sua Excelência nomear Pazuello – um general investigado por indisciplina – para o cargo de secretário de Estudos Estratégicos, vinculado à Presidência da República. Não é preciso ser um especialista nos (maus) humores da caserna para avaliar o grau do tensionamento que Bolsonaro provocou nos quartéis.
O comandante do Exército depara-se agora com uma decisão que pode custar o seu cargo. É crescente a pressão, entre os oficiais, a favor de uma punição rigorosa a Pazuello, até mesmo prisão por 30 dias. Mas dessa pressão não participa o ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, firme aliado de Bolsonaro.
Pior: caso atenda aos seus oficiais e puna Pazuello, o general Paulo Sérgio de Oliveira pode ter sua decisão anulada por Bolsonaro. Restará ao comandante, desmoralizado, dobrar-se aos fatos ou solicitar exoneração do cargo. Instala-se o vírus da indisciplina, com o potencial de se transformar em uma pandemia verde-oliva. Perguntarão os soldados, cabos e sargentos: se o general fez aquilo e está protegido pelo presidente, por que nós não podemos também?
Capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro sabe que o respeito à disciplina e à hierarquia são dogmas nas Forças Armadas. Então, o que o leva a investir publicamente contra esses princípios? As respostas convergem para um ponto: a radicalização é o caminho que lhe resta para se manter competitivo até a eleição do próximo ano. Esse caminho é ladeado por pró-bolsonaristas e antibolsonaristas, cada contingente devidamente tratado. Se há integrantes das Forças Armadas entre os antibolsonaristas, serão considerados como adversários. Preocupações com a disciplina e a hierarquia são secundárias.
Não é a primeira vez que o presidente da República procede dessa forma. Há dois meses, promoveu simultânea e inédita troca nos comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica por desconfiar não contar com o apoio dos líderes em seu projeto de reeleição. O episódio da aparição de Eduardo Pazuello em uma manifestação política escancara o conflituoso papel das Forças Armadas em seu desgoverno.
Os militares apoiaram firmemente a campanha de Bolsonaro em 2018 e assumiram, a seguir, cargos importantes na administração. No início da gestão, dos 23 ministros, dez tinham formação militar, liderando pastas de destaque como Casa Civil (general Braga Neto), Minas e Energia (almirante Bento Albuquerque) e Ciência e Tecnologia (tenente-coronel da FAB Marcos César Pontes). Somavam 11 ministros – quase metade do ministério – quando o general Eduardo Pazuello era o ministro da Saúde. Mais: com a posse do general Joaquim Silva e Luna na presidência da Petrobras chegou a 92 o número de dirigentes oriundos das Forças Armadas no comando de empresas estatais federais, dez a mais que no governo de Michel Temer. Em 2020, 6.152 oficiais ocupavam funções administrativas, superando o dobro dos 2.957 registrados em 2016.
Há reconhecimento do trabalho realizado pelos militares na administração pública civil. Porém, entre os próprios oficiais é crescente o medo de o “efeito Pazuello” envolver seus representantes mais graduados em um governo que não cumpre seus compromissos de campanha e mergulha na decadência na fase final. Prevalece no entanto o entendimento de que, apesar de tudo, é necessário dar sustentação ao presidente – pelo menos enquanto ele for a opção viável contra o retorno da esquerda ao poder.
Caminha-se então a passos miúdos, com chinelos de feltro. Avanços e recuos, ações e omissões são avaliados com cuidado. Jair Bolsonaro talvez tenha tropeçado nos coturnos ao estimular a indisciplina de Eduardo Pazuello. Nesse momento, talvez estejam sendo consultados os relatos das rebeliões de sargentos e cabos que antecederam o Golpe de 1964 contra o presidente João Goulart.
Ricardo Leitão
Como se fossem pouco a pandemia, o desemprego e a inflação, o presidente Jair Bolsonaro obrou mais uma crise, a militar. Cevou-a com cuidado, ao convidar para uma manifestação política, ao seu lado, o general do Exército Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Pazuello não só foi (“Ele manda, eu obedeço”) como discursou, diante de centenas de pessoas, no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro.
O ex-ministro da Saúde afrontou naquele momento as regras disciplinares do Exército, que proíbem a participação de seus integrantes em manifestações de caráter político-partidário. Em consequência, passou a responder a um processo por indisciplina, por ordem do comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira.
Jogo jogado? Não, para Bolsonaro crise só é boa quando é grande. Decidiu então Sua Excelência nomear Pazuello – um general investigado por indisciplina – para o cargo de secretário de Estudos Estratégicos, vinculado à Presidência da República. Não é preciso ser um especialista nos (maus) humores da caserna para avaliar o grau do tensionamento que Bolsonaro provocou nos quartéis.
O comandante do Exército depara-se agora com uma decisão que pode custar o seu cargo. É crescente a pressão, entre os oficiais, a favor de uma punição rigorosa a Pazuello, até mesmo prisão por 30 dias. Mas dessa pressão não participa o ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, firme aliado de Bolsonaro.
Pior: caso atenda aos seus oficiais e puna Pazuello, o general Paulo Sérgio de Oliveira pode ter sua decisão anulada por Bolsonaro. Restará ao comandante, desmoralizado, dobrar-se aos fatos ou solicitar exoneração do cargo. Instala-se o vírus da indisciplina, com o potencial de se transformar em uma pandemia verde-oliva. Perguntarão os soldados, cabos e sargentos: se o general fez aquilo e está protegido pelo presidente, por que nós não podemos também?
Capitão reformado do Exército, Jair Bolsonaro sabe que o respeito à disciplina e à hierarquia são dogmas nas Forças Armadas. Então, o que o leva a investir publicamente contra esses princípios? As respostas convergem para um ponto: a radicalização é o caminho que lhe resta para se manter competitivo até a eleição do próximo ano. Esse caminho é ladeado por pró-bolsonaristas e antibolsonaristas, cada contingente devidamente tratado. Se há integrantes das Forças Armadas entre os antibolsonaristas, serão considerados como adversários. Preocupações com a disciplina e a hierarquia são secundárias.
Não é a primeira vez que o presidente da República procede dessa forma. Há dois meses, promoveu simultânea e inédita troca nos comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica por desconfiar não contar com o apoio dos líderes em seu projeto de reeleição. O episódio da aparição de Eduardo Pazuello em uma manifestação política escancara o conflituoso papel das Forças Armadas em seu desgoverno.
Os militares apoiaram firmemente a campanha de Bolsonaro em 2018 e assumiram, a seguir, cargos importantes na administração. No início da gestão, dos 23 ministros, dez tinham formação militar, liderando pastas de destaque como Casa Civil (general Braga Neto), Minas e Energia (almirante Bento Albuquerque) e Ciência e Tecnologia (tenente-coronel da FAB Marcos César Pontes). Somavam 11 ministros – quase metade do ministério – quando o general Eduardo Pazuello era o ministro da Saúde. Mais: com a posse do general Joaquim Silva e Luna na presidência da Petrobras chegou a 92 o número de dirigentes oriundos das Forças Armadas no comando de empresas estatais federais, dez a mais que no governo de Michel Temer. Em 2020, 6.152 oficiais ocupavam funções administrativas, superando o dobro dos 2.957 registrados em 2016.
Há reconhecimento do trabalho realizado pelos militares na administração pública civil. Porém, entre os próprios oficiais é crescente o medo de o “efeito Pazuello” envolver seus representantes mais graduados em um governo que não cumpre seus compromissos de campanha e mergulha na decadência na fase final. Prevalece no entanto o entendimento de que, apesar de tudo, é necessário dar sustentação ao presidente – pelo menos enquanto ele for a opção viável contra o retorno da esquerda ao poder.
Caminha-se então a passos miúdos, com chinelos de feltro. Avanços e recuos, ações e omissões são avaliados com cuidado. Jair Bolsonaro talvez tenha tropeçado nos coturnos ao estimular a indisciplina de Eduardo Pazuello. Nesse momento, talvez estejam sendo consultados os relatos das rebeliões de sargentos e cabos que antecederam o Golpe de 1964 contra o presidente João Goulart.
*Ricardo Leitão é jornalista