21/12/22
Por Manoel Ventura e Geralda Doca — Brasília
blogfolhadosertao.com.br
Proposta é a prioridade do futuro governo Lula. Emenda à Constituição que abre espaço no Orçamento para promessas de campanha já passou no Senado
—
—
O plenário da Câmara dos Deputados Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Após o PT ceder e aceitar reduzir o prazo da “PEC da Transição” de dois para um ano, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira, em primeiro turno de votação, o texto principal da proposta de Emenda à Constituição (PEC) que abre um espaço de R$ 168 bilhões no Orçamento do próximo ano — que chega a R$ 193,7 bilhões com penduricalhos inseridos no texto. Prioridade do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a PEC já foi aprovada no Senado e está travada na análise dos deputados.
O texto foi aprovado pro 331 votos a favor e 168 contra. Eram necessários 308 votos para aprovar a PEC. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), votou a favor da PEC — isso não é praxe, já que o presidente costuma se abster de votações. Marcaram presença no plenário ou remotamente 504 deputados.
Os deputados ainda votarão propostas para alterar o texto. A conclusão dessas votações, assim como o segundo turno, ficou para esta quarta-feira. Entre os partidos, apenas o PL (do presidente Jair Bolsonaro), o Republicanos e o Novo orientaram votos contrários à PEC.
A PEC muda o teto de gastos para permitir a ampliação das despesas acima da inflação, como é hoje. A votação ocorre após o governo eleito — representado pelo futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad — firmar um acordo com líderes partidários aceitando que a autorização de gastos fora do teto prevista na PEC dure apenas um ano em vez de dois, como aprovado no Senado.
Sem volta ao Senado
O corte no prazo não obrigará a PEC a voltar para o Senado, porque a mudança é considerada como uma supressão no texto e não uma alteração.
Na mesma reunião, ficou acertada uma divisão dos recursos do orçamento secreto, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), entre o novo governo e parlamentares. Essa divisão agradou aos deputados, porque eles terão mais recursos para suas emendas individuais. Dessa forma, a PEC ganhou fôlego na Câmara.
Os números da “PEC da Transição” — Foto: Editoria de Arte
Apesar de ser um texto desidratado em relação ao aprovado por senadores, o PT avalia que a PEC desata nós do Orçamento, como a falta de dinheiro para investimentos públicos e retomada de programas como Minha Casa, Minha Vida.
O volume de recursos previsto na PEC aprovada no Senado Federal garante não só a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 como o aumento real do salário mínimo e a recomposição de verbas para programas como o Farmácia Popular.
O fator STF
A proposta estava travada na Câmara desde o início do mês, depois de ser aprovada no Senado. Entre domingo e segunda-feira, porém, duas decisões do STF embolaram as negociações.
O ministro do STF Gilmar Mendes decidiu que parte do Bolsa Família poderia ser paga fora do teto de gastos, que trava as despesas federais — o que deu um plano B claro para o governo eleito, aumentando seu poder de barganha.
E, na segunda-feira, a maioria do plenário da Corte declarou inconstitucional o chamado orçamento secreto, usado nos últimos anos para distribuir recursos para parlamentares aliados da cúpula do Congresso Nacional.
Ao longo dos últimos anos, Lira vinha usando o orçamento secreto como forma de construção de apoio político, já que seus aliados recebiam um volume maior de recursos. Por isso, sua derrubada irritou alguns deputados.
A “PEC da Transição” em números — Foto: Editoria de Arte
Parlamentares do Centrão, especialmente do PP e do PL, começaram então a articular uma forma de desfigurar o texto aprovado no Senado logo após a decisão do STF.
Esse tema foi discutido numa longa reunião na segunda-feira, que entrou pela madrugada. Ficou acertado que seria levada ao governo eleito a “oferta” de reduzir o prazo sem mexer no valor da PEC. Dessa forma, o texto não voltará para a análise do Senado.
As negociações para a aprovação da PEC vem se arrastando desde a vitória de Lula nas urnas. A decisão por bancar uma mudança na Constituição para ampliar gastos em 2023 ocorreu na primeira semana depois do segundo turno.
Ao mesmo tempo em que enfrentou resistências do mercado, por conta do seu valor, a PEC tem sido usada por Lula para montar a sua base aliada e definir os espaços na Esplanada dos Ministérios. Partidos que apoiaram Lula durante a campanha e legendas neoaliadas vão ganhar ministérios e participação no governo pela PEC e também para fazerem parte do governo ao longo dos próximos anos.
Além da pressão por mudanças no texto, o PT enfrenta a pressão do tempo. A depender da extensão das alterações no texto, a PEC precisaria ser analisada novamente pelos senadores. Ela foi aprovada na Casa no início de dezembro. Mas o Congresso só tem até quinta-feira, fim do ano legislativo, para aprovar a PEC e o Orçamento de 2023, como prevê a Constituição.
A possibilidade que começou a ser discutida agora é convocar sessão do Congresso Nacional na próxima semana, de forma extraordinária, para concluir a votação do Orçamento.
A PEC é votada depois do governo e do Congresso fecharem um acordo para dividir os R$ 19,4 bilhões que seriam destinados ao orçamento secreto (chamado tecnicamente de emendas de relator) em 2023.
Ficou decidido dividir os valores igualmente entre emendas individuais (a que todos os deputados e senadores têm direito e são dívidas igualmente) e recursos livres para custeio dos ministérios. Ou seja, o governo ficaria com uma parte do dinheiro. Assim, serão R$ 9,7 bilhões para emendas e mais R$ 9,7 bilhões para o governo.
O valor para as emendas individuais será fixado na “PEC da Transição”. Esse trecho especificamente será analisado pelo Senado, o que pode ocorrer ainda nesta semana.
A proposta
A PEC aprovada no Senado prevê aumentar o teto de gastos em R$ 145 bilhões e mais R$ 23 bilhões fora do teto para investimentos. Isso ficará mantido na Câmara. Também fica mantida a permissão para usar R$ 24 bilhões de contas extintas do PIS/Pasep para investimentos.
O texto também tira do teto despesas de universidades e instituição científicas bancadas com recursos próprios, o que faz o impacto da medida subir para R$ 193,7 bilhões.
A proposta do Senado também tirava do teto qualquer despesa feita com empréstimos internacionais. Isso desagradava aos deputados que temiam a possibilidade de um “teto infinito”.
Última mudança
A medida ainda determina o governo a enviar no próximo ano um projeto de lei para substituir o teto de gastos, que sairá da Constituição. Isso evita uma nova PEC para manter os programas sociais do governo.
Foi o risco da derrota na votação desse trecho que fez Lira adiar a conclusão da votação da proposta, a pedido do governo eleito. Assim, ficou acertado que os deputados votarão o destaque, o último que falta, e a PEC em segundo turno nesta quarta-feira.
O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), um dos principais articulares do futuro governo, veio à Câmara e mostrou a preocupação com a votação.
Dias destacou que o acordo para a votação da PEC, a redução do prazo de validade para um ano, tem como compensação a aprovação da revisão no teto de gastos.
— Esse destaque preocupa porque tudo o que o Brasil precisa é de estabilidade para que a gente consiga criar uma ambiente para atrair mais investimentos. O governo precisa encaminhar até agosto um projeto para revisar a âncora fiscal. A regra atual faliu — disse.
Mais: