Proposta de suicídio coletivo

14/05/21

 

blogfolhadosertao.com.br

 

Por Ricardo Leitão*

 

Do alto de sua hipnotizante ignorância científica, Jair Bolsonaro propôs, em discurso no Palácio do Planalto, que os brasileiros vacinados com duas doses de qualquer imunizante ou curados da covid-19 não usassem mais máscaras. Informou que a medida já estava sendo estudada por “um tal de Queiroga” (como se referiu ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga) e seria adotada, em todo o país, com a maior brevidade.

No momento em que o presidente obrou sua proposta o Brasil registrava quase 500 mil mortos e mais de 17 milhões de infectados pela pandemia. A doença continuava a levar a óbito, por dia, cerca de 2 mil pessoas e em nenhum estado apresentava sinais de regressão contínua. A reação dos médicos e pesquisadores foi unânime e inequívoca: Sua Excelência , com seu negacionismo absolutamente descontrolado, está provocando um suicídio coletivo.

Para quem investe na vida, e não na tragédia sanitária, as contas são simples. Um país só conseguirá conter a pandemia em definitivo quando 70% de sua população estiver imunizada e o número diário de mortes for residual. Ainda assim, medidas não-farmacológicas, como as máscaras, devem ser mantidas para evitar recidivas infecciosas.

Em nada disso o Brasil se enquadra nesse momento. Apenas 13% dos brasileiros estão vacinados com duas doses; o alto patamar de óbitos e sequelas não cede; os sistemas de saúde público e particular encontram-se em colapso; faltam vacinas e o desgoverno federal é incapaz de coordenar ações integradas com governadores e prefeitos. Ninguém é capaz de afirmar quando os brasileiros ficarão livres do vírus.

É claro, há Jair Bolsonaro, o pior presidente da história do Brasil, um dos maiores responsáveis, por suas ações e omissões, pela disseminação da doença. A palavra de ordem “tirem as máscaras” é apenas a última de uma série de estultices que serviram para fortalecer a pandemia e confundir a população. Vão desde “é só uma gripezinha” até a intrigante defesa da cloroquina; o esvaziamento do Ministério da Saúde e a desobediência pública e sistemática às recomendações dos infectologistas – como não promover aglomerações.

Admitindo-se que milhares sigam a proposta de suicídio coletivo de Jair Bolsonaro e joguem suas máscaras no lixo, quantos serão infectados e morrerão? A culpa por essas mortes poderá ser atribuída ao presidente da República? A inépcia na compra das vacinas, que deixou sem imunizantes e levou milhares de brasileiros à morte, também seria responsabilidade dele? Essas e outras questões deverão ser respondidas no relatório da CPI da Covid, em curso no Senado. Para estarrecimento de muitos, os depoimentos já colhidos pela comissão esclarecem como uma aliança de incompetências e demofobia gerou a maior tragédia sanitária do século no Brasil.

Tal conjunto de desastres remete à possibilidade de surtos de insanidade mental de Bolsonaro. Um deles pode ter acontecido quando da defesa do fim do uso das máscaras. O assunto preocupa juristas, que já solicitaram ao Supremo Tribunal Federal um parecer psiquiátrico sobre o comportamento de Sua Excelência. Se o parecer for positivo, caberá até a abertura de um processo de impeachment.

Não é só na tragédia da pandemia. Dias antes ao discurso no Palácio do Planalto, o presidente investiu contra os princípios basilares de disciplina e hierarquia das Forças Armadas, ao exigir que o general Eduardo Pazuello, seu ex-ministro da Saúde, não fosse punido por transgredir o regulamento militar. Pazuello compareceu a uma manifestação política de apoio a Bolsonaro, ato totalmente vedado no regulamento. A crise se instalou nas Forças Armadas.

É impossível prever qual será o resultado da junção das crises sanitária, econômica, social, política e agora militar. É possível afirmar que nenhuma delas será solucionada até o fim do mandato de Sua Excelência. Não há governo, não há articulação social, não há lealdade partidária, não há política econômica. Só há o desespero de Jair Bolsonaro em chegar vivo na disputa presidencial do próximo ano. Para tanto, vale tudo. O problema dele é que muitos, cada vez mais, estão pensando o contrário.

  • Ricardo Leitão é jornalista

Deixe um comentário