Alerta! Ele pode tentar de novo

01/04/21

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Por Ricardo Leitão+

 

Denomina-se autogolpe uma forma de golpe de Estado que ocorre quando o líder de um país, que chegou ao poder por meios legais, dissolve ou torna impotente o Poder Legislativo e assume poderes extraordinários, não concedidos em circunstâncias normais.

A História registra autogolpes desde a Roma antiga, quando o ditador Lúcio Cornélio Sula empalmou o poder em 81 A.C. No Brasil, ocorreram autogolpes já no Império. D. Pedro I fechou a Assembleia Constituinte e outorgou a Constituição de 1824. Seu filho, D. Pedro II, foi declarado imperador por meio do Golpe da Maioridade, de 23 de julho de 1840. O presidente Deodoro da Fonseca promoveu um autogolpe em 3 de novembro de 1891, mesmo caminho seguido por Getúlio Vargas, em 10 de novembro de 1937.

A resenha histórica tem por objetivo lançar a seguinte questão: a demissão sumária, pelo presidente Jair Bolsonaro, do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em meio a uma gigantesca crise sanitária e econômica, teria sido um passo rumo ao autogolpe? A tentativa fracassou? Bolsonaro pode tentar de novo?

Não há respostas definitivas. De concreto, a inexistência de compromissos do presidente com a democracia, apesar de eleito democraticamente. Os mais pessimistas apontam para o seu investimento constante na promoção do caos social e, a partir dele, na mobilização das Forças Armadas para mantê-lo no poder.

A repercussão da demissão simultânea e inédita dos quatro líderes militares ainda está sendo digerida nos quartéis e no Congresso. No entanto, é crescente a inquietação, ampliada pelo fato de os acontecimentos se darem na semana em que se completam os 57 anos do Golpe de 1964.

Para substituir o ministro da Defesa, o general Fernando de Azevedo e Silva, Bolsonaro nomeou o general Walter Souza Braga Netto, seu ex-ministro da Casa Civil e colaborador mais próximo. A missão do novo ministro será tão cuidadosa quanto conectar os fios desencapados de uma mina terrestre. Nos últimos meses, as relações de Bolsonaro com a cúpula militar se esgarçaram por um motivo principal: a pressão do presidente para que as Forças Armadas participassem do seu projeto de reeleição, e a reação, em sentido contrário, do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.

É improvável que o ministro Braga Neto tente, desde já, alinhar a tropa aos projetos políticos do presidente. Os espíritos verde-oliva ainda estão bélicos. Contudo, é também improvável que Bolsonaro vá se contentar com a neutralidade profissional dos militares numa campanha, como a de 2022, que promete ser travada a ferro e a fogo. O mais provável é que o presidente, com sua gentileza característica, cobre a contrapartida do que deu. Por exemplo: o Orçamento da União de 2021 destina R$ 8,3 bilhões para investimentos no Ministério da Defesa, o equivalente a 22% do total previsto para os demais ministérios.

E mais: com a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para a presidência da Petrobras, chegará a 92 o número de dirigentes oriundos das Forças Armadas no comando de empresas estatais federais, dez vezes mais do que no governo de Michel Temer. Em 2020, 6.152 oficiais ocupavam funções governamentais federais, superando o dobro dos 2.957 registrados em 2016. Dos 23 ministros de Jair Bolsonaro, nove têm formação militar. Somavam dez – quase a metade do ministério – quando o general Eduardo Pazuello era o ministro da Saúde.

Desenha-se assim uma quebra de braço, com um vencedor imprevisível. Bolsonaro foi apoiado pelas Forças Armadas em sua missão de derrotar o candidato da esquerda na eleição presidencial de 2018. Missão cumprida. Porém, até agora fracassou na gestão e o ameaçam a queda da popularidade e a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva no próximo ano. O governo está isolado e em decadência. Os militares temem que o fracasso os contamine e comprometa o conceito da tropa junto à população. Por outro lado sabem que o esfarinhamento do presidente abrirá espaço para o retorno da esquerda ao poder – hipótese que muitos comandantes rejeitam.

O impasse e a obsessão bolsonarista pelo poder podem levar a vários caminhos. Até um autogolpe?

Ricardo Leitão é Jornalista +

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