10/07/22
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Por Ricardo Leitão *
De 16 de março a 5 de junho, 61 pessoas foram assassinadas nos Estados Unidos, vítimas de supremacistas brancos, desequilibrados mentais, fanáticos religiosos – ou de atiradores que não souberam explicar por que dispararam seus fuzis e pistolas.
Há casos como o do adolescente, no Texas, que assassinou 14 crianças e um professor, encurralados em uma sala de aula. Ou do homem de 21 anos que, de um telhado, usou um fuzil para assassinar 8 pessoas que participavam de um desfile de rua, em Chicago. Entre esses e os outros assassinos um ponto em comum: todos usavam armas e munições compradas legalmente, pela internet ou em lojas especializadas. O atirador de Chicago comprou o seu fuzil com autorização do pai.
Os 61 mortos de março a junho constam de uma estatística estarrecedora: dados da organização Gun Violence Archive demonstram que, só neste ano, 10.260 pessoas perderam a vida, vitimadas por armas de fogo, nos Estados Unidos. Ou seja: uma morte a cada 26 minutos no período de 6 meses. É um número que vem aumentando, ano a ano. Nos 12 meses de 2014, foram 12.352 assassinatos; no mesmo período de 2021, 20.944. Não há nada igual no mundo, em um país que não esteja em guerra.
Cada chacina provoca uma comoção pública e reiteradas exigências de que o Congresso aprove leis mais severas para o porte e uso de armas. O debate e a comoção perduram há décadas, mas o armamentismo sempre vence, apoiando e sendo apoiado pela fortíssima indústria bélica norte-americana. As contas são absurdas: há nas mãos da população mais de 335 milhões de armas, de variados calibres, número maior do que o de habitantes do país.
Entre as propostas para seu novo desgoverno, Jair Bolsonaro anunciou que, no campo da segurança pública, irá buscar inspiração no que fez Donald Trump, o ex-presidente dos Estados Unidos e seu líder ideológico. Em momento mais desvairado, Trump estimulou que seguidores armados invadissem o Congresso para impedir que Joe Biden, seu adversário, fosse proclamado vencedor da eleição presidencial. O golpe fracassou, porém a tentativa deixou 6 mortos e dezenas de feridos.
Em suas articulações golpistas, Jair Bolsonaro ainda não estimulou invasões ao Congresso brasileiro. No entanto, não se duvida que seus milicianos de extrema direita estão prontos e estão armados. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, antes da posse de Bolsonaro, havia 117,4 mil armas registradas por colecionadores, atiradores e caçadores na Polícia Federal. Em 2019, foram 197,3 mil registros, um salto de 68%. De acordo com o mesmo estudo, de junho do ano passado a junho deste ano houve aumento de 501 mil registros, 42% no total de armas registradas entre 2003 e junho de 2022 (1,4 milhão).
Qual o motivo de tantas armas nas mãos da população? Levando-se em consideração outras fontes, além das oficiais, estima-se que há um total de 2,8 milhões de artefatos (revólveres, pistolas, espingardas e outros) particulares no País. Em comparação, os órgãos públicos, como as polícias militares e civis, dispõem de 384 mil armas.
Responsável por produzir relatórios detalhados sobre as armas nas mãos de caçadores, colecionadores e atiradores, o Exército admite que não tem condições de realizar a tarefa. O problema decorre da falta de padronização dos relatórios de monitoramento, o que pode resultar em um desconhecimento das armas, nas mãos de civis, circulando sem registro e sem controle.
Não é uma falha que desperte atenções especiais de Bolsonaro. Como já afirmou mais de uma vez, para ele o importante “é que a população esteja armada para defender a Pátria quando convocada”. De princípio, esse não é um dever da população civil, mas das Forças Armadas, como estabelece a Constituição.
Vale reiterar a questão: a quem interessa que a população e, dentro dela, os milicianos radicais, tenham mais armas nas mãos? Tal articulação da extrema direita já inclui alianças no Congresso com o objetivo, entre outros, de permitir acesso a munições antes restritas, como calibres 9 milímetros, 45 milímetros e ponto 40. Com esse propósito, tem atuado o Proarmas, maior grupo armamentista do Brasil, com acesso fácil aos gabinetes de senadores, em Brasília.
Por que tanta pressa em armar a população com revólveres, pistolas e fuzis de grosso calibre?
- Ricardo Leitão é jornalista