90 anos !!! O  sapateiro  Bano  “pendura”  as alpercatas

 

Por Machado Freire 

Trabalhou na roça, conviveu com operários comunistas, no Recife,  e confeccionou sapato Luiz XV  para mulheres  da alta sociedade  de Salgueiro

    

       Noventa anos de vida- a serem comemorados  no próximo dia 15 de maio, e mais de 75 anos de atividades, a maioria  como  sapateiro,  uma profissão que  não resistiu ao processo de modernização   no setor de calçados. “A gente ganhava a vida  fazendo chinelos e alpercatas de couro e pneu, mas as encomendas  caíram    muito com a chegada das sandálias japonesas”, conta o sapateiro Urbano Amâncio Pereira,  que está praticamente paralisando suas atividades. Sua família acha que chegou a hora e   ele deve tratar da saúde porque sua idade está bem  avançada, apesar se ser dono de uma “memoria de elefante”.

      Conhecido por  Bano, desde menino, o artista  começou a trabalhar na roça  aos 15 anos anos de idade,  ao lado do pai Amâncio Pereira, que  deixou a agricultura de subsistência  para ser funcionário do  industrial e coronel da Guarda Nacional,  Veremundo Soares, em uma usina de beneficiamento de Caroá.

     Também   ao afastar-se da enxada ( seguindo o exemplo do pai), Bano  passou a  atuar como aprendiz  nas oficinas de sapataria  de velhos conhecidos da cidade, como Aderbal Conserva ( que  mudou a profissão para fotógrafo profissional), Pedro José Rosado, Afonso Ferreira (Afonsinho) e Antonio Brito na estreita rua Epitácio Alencar, uma espécie de “polo das sapatarias” com espaço para a feira do fumo, que era realizada aos sábados.

       O aprendiz  também  foi  bem recebido/orientado pelo famoso  sapateiro profissional Antonio Carlos Freire, com quem aprendeu a confeccionar  o sapato feminino Luiz XV,  muito bem aceito pelas mulheres da alta sociedade. “Era  a grande novidade da época na sapataria do Curtume Nossa Senhora de Fátima, de propriedade do empresário   Antonio Soares”,  comenta.

     “Eu pensava que tinha aprendido a arte de sapateiro”,  diz o filho caçula de uma prole de nove irmãos  que com pouco mais de vinte anos rumou para o Recife  em uma carroçaria de um caminhão do Estado, dirigido por  seu irmão Luís   Amâncio,  que já morava na Capital.

      “Deixei de ser  aprendiz e  trabalhava com vinte colegas na saparia de dona  Maria Almeida,  uma patroa muito boa, mas  eu  não sabia  que  estava vivendo  com  comunistas, inclusive o presidente do sindicato dos sapateiros”, conta   ao  confessar não ter sofrido nenhum problema de natureza política por causa disto.

      Depois de trabalhar em outras sapatarias da Capital e  se   considerar um profissional preparado,  Bano  buscou independência   passando  a confeccionar  calçados por conta própria. “Eu vendia  as peças a  antigos e novos  clientes que visitavam as oficinas onde trabalhei desde o começo da década  de 1950” ,  lembra o operário que   não imaginava que encerraria  sua “escalada”  pelo mundo na cidade de Araripina, onde passou dez meses por sugestão do seu irmão, João Amâncio.  “Não deu certo mesmo e eu tive que sair de lá antes de completar um ano”, confessa.

“Voltei para Salgueiro  e procurei me estabelecer com minha oficina, enquanto cuidava de  “levantar” minha casa, para deixar de pagar aluguel, diz   Bano ao lembrar que foi sacaneado por um individuo desconhecido que lhe pediu um “pernoite” em sua oficina que ficava no beco de Chica Calixta.  “No dia seguinte, quando cheguei para trabalhar, encontrei a oficina “limpa” porque o sujeito tinha levado todas as minhas ferramentas e eu tive que começar tudo de novo, me valendo  de velhos amigos , até que me recuperei e terminei a minha casa”,  suspira angustiado.

O homem mais feliz do mundo !  Tempos depois que chegou ao Recife, Bano encontrou-se com a conterrânea Rosemira, que era viuva.  Eles iniciaram uma amizade  que hoje passa de 60 anos.  Desse “ajuntamento” Nasceram dois filhos no Recife:  Beto da Compesa e Aurência. Já  em Salgueiro nasceram Aurinete  e Adalberto que  no dia 16 de junho do ano passado assistiram o enlace matrimonial de seus pais na Igreja Católica, em Salgueiro.

Lúcido, consciente e amante da vida, o sapateiro mais antigo da história do Sertão não é mais aquele caçador nem pescador (esportes que ele mais gosta), mas se considera o homem mais feliz do mundo. “Trato da minha saúde, conto com o apoio da minha família e  estou muito feliz”, confessa com brilho nos olhos marejados de satisfação.

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