ESPECIAL DE DOMINGO: Vitória (mais uma) da motosserra

24/07/22

blogfolhadosertao.com.br

 

 

Ricardo Leitão*

 

A cada hora, o Brasil perdeu 189 hectares de vegetação nativa ao longo de 2021, ou seja, 4.536 hectares por dia. As motosserras desmataram no ano passado 16.557 quilômetros quadrados, um total 20% superior ao registrado em 2020. Em áreas críticas, como a Amazônia, a derrubada da floresta foi de 1,9 hectare por minuto, o que equivale a inacreditáveis 18 árvores por segundo. É como se no tempo gasto para ler essa frase quase 20 árvores tombassem.

 

O desmatamento em 2021 atingiu todos os biomas, além da Amazônia, que teve 59% de seu território afetado. Em ordem decrescente seguem o Cerrado (30%), a Caatinga (7%), a Mata Atlântica (1,8%), o Pantanal (1,7%) e o Pampa (0,1%). Comparando-se a 2020, as maiores perdas ocorreram na Caatinga (mais 89%) e no Pampa (mais 92%).

Os dados estarrecedores constam no Relatório Anual de Desmatamento, lançado na semana passada pelo projeto MapBiomas, um trabalho coletivo de universidades, ONGs e empresas de tecnologia. Segundo o relatório, a atividade agropecuária respondeu, em 2021, por 97% da área desmatada, cabendo os 3% restantes ao garimpo, à mineração e à expansão urbana.

Apesar da diversidade dos índices entre os biomas, os efeitos do desmatamento se espalham por todo o País. A derrubada das árvores, muitíssimas vezes ilegal, diminui as chuvas, aumenta o custo da energia, eleva a temperatura, compromete a produção rural e a saúde das pessoas. Tudo se agrava com a incompetência e o desmonte dos órgãos de fiscalização, resultado da inexistência de qualquer política ambiental no desgoverno de Jair Bolsonaro. Um exemplo: foram fiscalizados menos de 3% dos alertas de desmatamento emitidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e outras ferramentas de monitoramento, desde o início da gestão de Sua Excelência. Eduardo Bim, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), assinou portaria que anulava etapas do processo de infração ambiental, ampliando as possibilidades de prescrição de multas. Estimam técnicos do Ibama que a portaria permitiria a prescrição de R$ 1 bilhão em multas.

Não há nenhum interesse de Jair Bolsonaro quanto à degradação do meio ambiente no Brasil, quando não espocam delírios. Estando sóbrio, segundo testemunhas, ele acusou os índios, instigados por ONGs “de esquerda”, de incendiarem a floresta, com o propósito de “enfraquecer a imagem do Brasil no exterior”. Declarações como essa o transformam em um participante exótico em reuniões internacionais sobre clima.

A depender do desgoverno, portanto, o desmatamento vai continuar. O que fazer? Um dos caminhos são as ações judiciais, que já deram resultado. Em abril passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou três decretos de Bolsonaro que excluíam a participação de representantes da sociedade civil na gestão de fundos ligados à Amazônia. O tribunal também declarou inconstitucional decisão de Sua Excelência que autorizava a concessão de licenças e alvarás a empresas enquadradas em atividades de risco ambiental.

Um outro caminho é a pressão política, durante a campanha eleitoral, no debate sobre os programas de governo e na formação das equipes administrativas. A defesa do meio ambiente e o aquecimento global são temas cada vez mais presentes na agenda mundial. Os eleitores jovens dos países europeus desenvolvidos dão a eles uma prioridade capaz de incluí-los na pauta parlamentar da Inglaterra, da França, da Alemanha e da Itália – por exemplo.

Bolsonaro é incapaz de entender e de participar desse debate. Mas tal reflexão coletiva é essencial para o futuro do Brasil – e não só pelo desmatamento e pelas queimadas, principalmente na Amazônia. No rastro da exploração ilegal dos recursos naturais da maior floresta tropical do mundo, se conectam o contrabando de madeira; a predação do garimpo; a grilagem; a pesca de peixes em extinção; milícias e, agora, o tráfico de drogas e armas, com articulações internacionais.

Ao comentar o quadro e os números do desmatamento, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, considerou que a situação “é péssima” e “horrorosa”. Em encontro com empresários, o ministro Paulo Guedes, da Economia, baixou o tom: “São pequenas transgressões”. Qual opinião vale? É a cara do desgoverno. Enquanto isso, roncam as motosserras.

  • Ricardo Leitão  é Jornalista

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