07/04/21
Por FOLHAPRESS/blogfolhadosertao.com.br
O magistrado fez duras críticas às posições do advogado-geral da União, André Mendonça, e do procurador-geral da República, Augusto Aras
O magistrado fez duras críticas às posições do advogado-geral da União, André Mendonça, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, e afirmou que apenas uma visão negacionista do coronavírus permitiria impedir que governadores e prefeitos vetassem celebrações religiosas presenciais.
A análise do caso será retomada na quinta-feira (8). A discussão foi parar no plenário da corte porque há decisões conflitantes do Supremo sobre o tema.
No último sábado (3), o ministro Kassio Nunes Marques derrubou decretos que proibiam missas e cultos.
Dois dias depois, porém, Gilmar deu uma decisão em outra ação no sentido de declarar constitucional o ato de São Paulo que vetou esses eventos.
Agora, o plenário discute qual das duas visões deve prevalecer.
Antes mesmo de Gilmar votar, o presidente da corte, Luiz Fux, deu o tom do julgamento ao responder o advogado do PTB, Luiz Cunha, que criticou a posição em favor do fechamento de templos e igrejas.
“Para aqueles que hoje votarão pelo fechamento da casa do senhor, cito Lucas 23, versículo 34: ‘Então ele ergueu seus olhos para o céu e disse: pai perdoa-lhe, porque eles não sabem o que fazem'”, disse Cunha.
Fux disse que essa “misericórdia divina” não pode se direcionar ao STF porque ela só serve para quem é omisso.
“Essa é matéria que nos impõe escolha trágica e que temos responsabilidade suficiente para enfrentá-la. Nossa missão de juízes constitucionais, além de guardar a Constituição, é de lutar pela vida e pela esperança”.
Gilmar, por sua vez, criticou os chefes da AGU e da PGR e afirmou que é necessário impor medidas de restrição de locomoção da população para conter o avanço da pandemia.
O ministro atacou a comparação feita por Mendonça em sua sustentação oral sobre o fato de igrejas e templos estarem fechados enquanto o transporte pública segue lotado.
“Quando fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente do coletivo, e fala do problema do transporte aéreo, eu poderia ter entendido que sua excelência teria vindo agora para a tribuna de uma viagem a Marte e que estava descolado de qualquer responsabilidade institucional”, disse.
O magistrado afirmou que Mendonça tem responsabilidade sobre o tema.
“Fui verificar aqui e verifiquei que era ministro da Justiça até recentemente e que tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas: à União cabe legislar sobre diretrizes da política nacional de transporte”, afirmou.
Em referência ao chefe da AGU, o ministro disse que “está havendo um certo delírio nesse contexto geral”.
Em relação a Aras, o ministro criticou o fato de o chefe da PGR ter afirmado que ele não deveria ser o relator e que o caso deveria ficar com Nunes Marques.
Gilmar classificou a medida de Aras como uma “estratégia processual que beira a litigância de má-fé”.
O ministro classificou como “surreal” afirmar que decretos contra abertura de templos e igrejas tenham “algum motivo anti-cristão”.
Também criticou a atuação do governo de Jair Bolsonaro na pandemia.
“É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que estados e municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais”, disse.
Gilmar também citou Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro, e disse que o Brasil transformou-se em “pária internacional no âmbito da saúde”.
Antes de Gilmar votar, as partes do processo, partidos políticos e entidades religiosas usaram a palavra.
Vários deles basearam suas manifestações na religião e não na Constituição e nas leis. Aras citou a possibilidade de a fé operar milagres.
Já Mendonça afirmou que os cristãos estão dispostos a morrer pela fé e fez diversas citações à Bíblia e a Deus.
Essa foi a primeira sustentação oral de Mendonça no STF nesta segunda passagem na AGU. Ele iniciou o governo Bolsonaro à frente do órgão, mas havia sido deslocado para o Ministério da Justiça.
Mendonça é cotado para ser indicado pelo presidente à vaga do Supremo que será aberta em julho com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio.
Com diversas citações à Bíblia e a Deus, Mendonça afirmou que este julgamento não é um debate entre vida e morte e que vivemos atualmente em uma “sociedade tensa” em que parece ser proibido divergir da posição de outras pessoas.
“Ser cristão, em sua essência, é viver em comunhão em Deus e com o próximo. A Constituição não compactua com a discriminação das manifestações públicas de fé”, disse.
Ele afirmou que a celebração religiosa deve ser presencial.
“Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos, jamais, a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e culto. Que Deus nos abençoe e tenha piedade de nós”, disse.
Aras, por sua vez, afirmou que nesse julgamento é preciso levar em consideração que o Estado é laico, mas as pessoas, não. “A ciência salva vidas, a fé também. Fé e razão que estão em lados opostos no combate à pandemia nestes autos, caminham lado a lado, em defesa da vida e da dignidade humana”, disse.
“Não há oposição entre fé e razão. Onde a ciência não explica, a fé traz a justificativa que lhe é inerente”, completou.
O procurador Rodrigo Menicucci falou pelo governo de São Paulo e foi no sentido oposto.
Ele afirmou que, diante da escassez de vacinas no Brasil, o poder público não tem outra alternativa para evitar a disseminação do vírus a não ser com o distanciamento social.
Ele citou os números da pandemia e afirmou que as medidas adotadas pelo governador João Doria, entre elas o veto a cultos e missas, são necessárias e não violam a liberdade religiosa prevista na Constituição.
“Por fim, a medida é proporcional em sentido estrito, na medida em que se trata de medida excepcional, temporária e justificada que apenas restringe o exercício da atividade religiosa sem vulnerar o núcleo essencial do direito fundamental.”