“Não é só a Covid que tira a vida da população negra. O desemprego, a violência, o encarceramento. O feminicídio, que atinge principalmente as mulheres negras”.
O relato de Wellington Lima, da União de Negros pela Igualdade, deixa claro que a vida, direito humano mais básico, ainda é negada a grande parte da população brasileira e pernambucana. A efetivação de políticas de igualdade racial foi debatida, nesta terça, em audiência pública da Comissão de Cidadania da Alepe, por requerimento do deputado João Paulo, do PCdoB.
Marta Almeida, do Movimento Negro Unificado, afirmou que a conjuntura de sucateamento de políticas públicas, em especial as voltadas para a população negra, agrava os efeitos da pandemia e do racismo estrutural. A ativista defendeu a cooperação entre Estado, iniciativa privada e terceiro setor para o avanço de pautas prioritárias. “A efetivação da lei de história africana e afro-brasileira, a ampliação do programa da saúde da população negra, regionalizar e interiorizar essa política de promoção da igualdade racial. Para isso, precisamos da dotação orçamentária”.
No mesmo sentido, Jean Pierre de Lima Moraes, secretário-executivo do Conselho de Promoção da Igualdade Racial em Pernambuco, defendeu a atualização da política do Governo do Estado para o setor e do Plano Pernambuco Quilombola, além da regulamentação estadual da lei 12.288, que estabelece o Estatuto de Igualdade Racial. O conselheiro também destacou medidas necessárias para a efetivação de direitos.
“A criação de um fundo estadual de promoção de igualdade racial, porque sem recurso a gente não efetiva políticas públicas, e quem faz a lei são as lutas. Diante disso, a importância também, diante de diversos casos, crescimento de racismo e intolerância, inclusive religiosa. (…) Nós queremos a criação dessa DECRADI, delegacia de crimes raciais e de intolerância. É pra já, é pra ontem. E ainda mais, a criação do centro de referência de combate ao racismo e intolerância. Um centro estadual para o acolhimento dessas vítimas que sofrem violações de direitos”.
A pandemia do novo coronavírus, que infecta e mata proporcionalmente mais as populações negras, pardas e periféricas, também revela os riscos de um apagão estatístico sobre a questão de raça e cor. A afirmação é da promotora Irene Cardoso Sousa, do GT racismo do Ministério Público de Pernambuco. Ela relatou que o grupo está orientando as prefeituras para que os dados da pandemia considerem a variável raça e cor e informou que muitas cidades não têm esse registro.
A promotora também defendeu a necessidade de atualizar o mapeamento das comunidades quilombolas de Pernambuco, o que não ocorreu na última década, levando a erros na distribuição de vacinas destinadas a esses grupos. “Isso é um reflexo da falta de política de saúde anterior à Covid. Porque se na Covid não tem como mapear meu território, significa que eu não fazia um trabalho nele. E as arboviroses? E as outras vacinações? E o agente de saúde nas comunidades quilombolas?”.
Outro tema de debate foi o projeto, discutido em âmbito federal, de instalação de uma usina nuclear às margens do Rio São Francisco, em Itacuruba, no Sertão de Itaparica. Tiago Kafuso, representante do Ilê Oca Afro-Indígena, afirmou que a proposta é inaceitável, pois coloca em risco uma das maiores reservas de água doce da América do Sul e o meio de vida de populações ribeirinhas, negras e indígenas.
Ao final da reunião, o deputado João Paulo propôs a elaboração de um relatório com pleitos e iniciativas a serem apoiadas pelos parlamentares, especialmente em relação à necessidade de recursos e efetivação de políticas. Ele também se comprometeu com a destinação de 100 mil reais em emendas do mandato para a agenda da igualdade racial.
A presidente do Colegiado de Cidadania, deputada Jô Cavalcanti, do mandato coletivo Juntas, do PSOL, defendeu que a dimensão racial seja considerada em todas as políticas públicas. Ela ressaltou a necessidade de que o Governo do Estado retome a pauta da igualdade racial para fazer frente aos impactos da pandemia e reiterou o apoio à criação de uma renda básica estadual.