Ministro Lewandowski manda União informar valor do benefício econômico na federalização de Noronha

31/03/22
Jamildo Melo
blogfolhadosertao.com.br
O ministro pediu para a Advocacia Geral da União (AGU) indicar qual o benefício econômico pretendido com a ação contra o Estado de Pernambuco
MARCELO LOUREIRO/ESTADÃO CONTEÚDO
TAXA TRANSPARENTE Na Alepe, a deputada Priscila Krause apresentou projeto pela transparência quanto à Taxa de Preservação Ambiental da ilha – FOTO: MARCELO LOUREIRO/ESTADÃO CONTEÚDO

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu o primeiro despacho na ação em que o governo Bolsonaro (PL) pede uma liminar para retomar a titularidade do arquipélago de Fernando de NoronhaO Blog de Jamildo revelou a ação da União na sexta-feira (25), em primeira mão nacional.

Por enquanto, o ministro não tomou nenhuma decisão de mérito, só pediu para a Advocacia Geral da União (AGU) indicar o valor da causa, ou seja, o benefício econômico pretendido com a ação contra o Estado de Pernambuco.

“Em face do exposto, preliminarmente, determino que a União retifique o valor dado à causa, adequando-o ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico por ela perseguido, na forma do § 3º do art. 292 do Código de Processo Civil. Prazo de 10 dias”, decidiu o relator no STF.

A indicação do valor da causa é um requisito para toda a ação ordinária prevista no Código de Processo Civil. No entanto, para o STF, faltou a AGU indicar o valor da causa na petição inicial da ação.

Lewandowski concedeu o prazo de dez dias para a AGU indicar o valor da causa.

Após a AGU se manifestar, em nome do governo Bolsonaro, o ministro deverá decidir o pedido de liminar da União contra o Estado de Pernambuco.

Nesta terça-feira (29), como o Blog informou com exclusividade, o Governo de Pernambuco apresentou uma petição na ação, contra a tentativa de federalização.

Bolsonaro quer ‘passar a boiada’ em Fernando de Noronha. Tirar o domínio de Pernambuco seria estratégico

Noronha recebeu mais de 106 mil turistas em 2021, mas em um modelo diferenciado, que convive com a preservação ambiental. Ideia de “Polo Turístico agressivo” destoa do propósito do arquipélago

Bolsonaro quer 'passar a boiada' em Fernando de Noronha. Tirar o domínio de Pernambuco seria estratégico

Da janela do avião, é impossível não ficar deslumbrado com a beleza lá embaixo. O mar verde-esmeralda, as formações rochosas esculpidas, a vegetação e as praias explicam porque o arquipélago de Fernando de Noronha é reconhecido como um paraíso. Noronha é um dos santuários ecológicos mais importantes do mundo, com suas 21 ilhas e 16 praias. A população nativa aprende desde cedo a importância de preservar o meio ambiente e os visitantes são orientados sobre o particular modelo turístico.

Ninguém visita a ilha imaginado que vai sentar numa praia, apinhada de ambulantes, e ficar pedindo caldinho e outras iguarias pernambucanas. Noronha é um lugar de contemplação. O comércio é limitado e a visitação ao Parque Nacional Marinho, onde estão as principais praias, é controlada. As restrições são para garantir que peixes, golfinhos, tubarões, corais e outras espécies continuem se desenvolvendo.

Por tudo isto, o modelo de turismo imaginado pelo governo Federal para Fernando de Noronha destoa da realidade e da história do turismo local. O presidente Jair Bolsonaro já disse reiteradas vezes que quer transformar o arquipélago em um Polo Turístico. Para a atual gestão, a defesa da preservação ambiental não passa de mimimi (ou pantim como costumamos dizer aqui). A lógica é a mesma de “passar com a boiada”, como desejou o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugerindo acelerar a decisão de temas complexos num momento em que o País se preocupava com a pandemia da covid-19.

O que o governo Federal quer é tornar o turismo na ilha “mais agressivo”. Isso incluiria a volta da atracação de navios de cruzeiros, a instalação de recifes artificiais e a federalização do arquipélago, esta última facilitaria a execução de todo o plano. Desde 2013, Noronha deixou de receber cruzeiros, por falta de navios compatíveis para atracar na Ilha. Em função das limitações ambientais, a exigência é de navios menores, enquanto o mercado aposta em embarcações cada vez maiores.

Em dezembro de 2020, o atual ministro do Turismo Gilson Machado anunciou a retomada dos cruzeiros em Noronha. A ideia era aumentar a capacidade de passageiros de 200 para 600. O governo de Pernambuco desmentiu a informação e manteve a proibição já que é o Estado quem libera as licenças de operação dos navios.

Machado também tinha a ideia de instalar pontos de recifes artificiais no arquipélago, com naufrágio de embarcações para “agregar ao turismo” de mergulho na ilha. O plano foi considerado sem sentido pelo trade local e pelo governo do Estado, já que a própria diversidade natural já traz essa atratividade para o visitante que quer mergulhar.

Passou pelo mesmo um boi

governo de Pernambuco vem tentando evitar várias tentativas de turismo predatório que venha prejudicar a biodiversidade da Ilha, mas não conseguiu impedir a liberação da pesca da sardinha. No final de outubro de 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fernando Lorencini, assinaram um termo de compromisso liberando a pesca da sardinha na área do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha.

Na época, especialistas orientaram que a sardinha é uma das espécies-chave para o equilíbrio e a manutenção da alimentação de animais como tubarões e golfinhos, que habitam a região de Noronha. Contraditoriamente, em 2016 o ICMBio por meio de uma nota técnica explicou que não havia justificativa para a liberação da pesca da sardinha e alertou que abrir esta exceção poderia abrir precedente para pressão de liberação de outras pescarias.

Disputa agora no STF

Diante de tantas discordâncias sobre a administração de Noronha, a disputa foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Na sexta-feira (24), a Advocacia Geral da União (AGU) ingressou com uma ação pedindo o controle do arquipélago para o governo Federal. Nesta terça-feira (29), o governador Paulo Câmara reagiu à União com um pedido no STF de permanência da titularidade para o Estado. Juristas defendem que a solicitação do governo Federal não tem fundamento jurídico, porque o direito de Pernambuco foi reconhecido pela Constituição de 1988, no artigo 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O ministro Ricardo Lewandowski, que recebeu a ação, proferiu o primeiro despacho na ação. O Blog de Jamildo revelou a ação da União na sexta-feira (25), em primeira mão nacional. Também segundo o blog, por enquanto, o ministro não tomou nenhuma decisão de mérito, só pediu para a Advocacia Geral da União (AGU) indicar o valor da causa, ou seja, o benefício econômico pretendido com a ação contra o Estado de Pernambuco.

Hans von Manteuffel/Setur-PE

Morro Dois Irmãos, Fernando de Noronha – Hans von Manteuffel/Setur-PE

Assim é Noronha

O Arquipélago de Fernando de Noronha é composto por vinte e uma ilhas, rochedos e ilhotas. Tem uma área terrestre de 26 quilômetros quadrados, o equivalente ao município de Toritama (Agreste). De suas 21 ilhas, apenas uma é habitada: a maior delas, com 17 km². A população atual é de 4 mil pessoas, que se concentra em uma pequena área urbana, distribuída em vilas residenciais. Parte dela integra a Unidade de Conservação Ambiental denominada APA, que foi instituída em 1989 com o objetivo de garantir a preservação das espécies e a ocupação humana racional.

Entre as outras ilhas, a maioria está situada nos limites do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. São áreas que as pessoas não podem habitar para garantir a preservação da fauna terrestre e ninhos de aves marinhas da ilha.

Segundo a administração de Noronha, a Ilha conta com cerca de 150 pousadas para atender aos turistas. Depois das restrições impostas pela pandemia, quando arquipélago recebeu apenas 33.836 visitantes, no ano passado o número voltou a subir e fechou em 114.106 pessoas. Em função do controle ambiental, o número varia pouco ano a ano. Em 2019, por exemplo, foi de 106.130 turistas.

A Taxa de Preservação Ambiental (TPA) custa R$ 87,71 por dia e ajuda a custear as despesas da Ilha. De acordo com a administração local, no ano passado o recolhimento foi de R$ 41,2 milhões. O valor não é suficiente para cobrir as despesas, que são complementadas com caixa do Estado.

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