01/05/21
Folhapress
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Desde o início do processo, Witzel afirma que seu afastamento se deve à ação do presidente Jair Bolsonaro, ex-aliado de quem se tornou adversário em seu primeiro ano de mandato.
O Tribunal Especial Misto aprovou por unanimidade o afastamento em definitivo de Wilson Witzel (PSC) do Governo do Rio de Janeiro. Os dez membros do colegiado defenderam nesta sexta-feira (30) a condenação do ex-juiz por crime de responsabilidade, superando os dois terços do colegiado necessários para o impeachment.
O tribunal também decidiu inabilitar Witzel por cinco anos ao exercício de qualquer função pública.
Witzel se torna o primeiro governador no país a ser afastado em definitivo por meio de um processo de impeachment desde a redemocratização. É também o sexto chefe do Executivo do Rio de Janeiro acusado de corrupção.
Diante do resultado, o governador interino Cláudio Castro (PSC) assumirá definitivamente o governo do estado -a posse está marcada para a manhã deste sábado (1º). Aliado do presidente Jair Bolsonaro, ele também é investigado no mesmo suposto esquema de propina na Secretaria de Saúde que levou ao impeachment de seu antecessor.
Witzel foi acusado de crime de responsabilidade e de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha para o combate à pandemia do coronavírus. Também foi responsabilizado por supostamente ter favorecido um empresário ao anular a punição a uma organização social por sua atuação na Secretaria de Saúde.
As acusações do processo de impeachment foram feitas pelos deputados Luiz Paulo (Cidadania) e Lucinha (PSDB). Elas foram aceitas por unanimidade, tendo apenas um voto para a absolvição no caso dos hospitais de campanha, do deputado Alexandre Freitas (Novo).
Primeiro a votar, o deputado Waldeck Carneiro (PT), relator do processo, considerou inverossímil que o governador não soubesse das fraudes na contratação da organização social Iabas para a montagem dos hospitais de campanha.
“Afinal, era a maior contratação do governo, com incidência no maior desafio de seu governo: salvar a vida das pessoas contaminadas pelo novo coronavírus. Poderia o réu ficar absorto face a tudo isso? Ainda que sim, o caso passa a ser de omissão, negligência ou desleixo”, afirmou Waldeck.
Em seu voto nesta sexta-feira, Waldeck destacou o fato de Witzel ter confirmado que solicitou ao seu ex-secretário de Saúde Edmar Santos almoçar com o empresário Mário Peixoto. Santos se tornou delator e disse que ouviu do interlocutor um pedido para que a organização social Unir Saúde não fosse punida.
“O governador afastado afirmou [em depoimento ao tribunal] que exonerava secretários que tivessem relação com empresários. Acrescentou que essa era a norma da casa. Nesse caso, o próprio réu infringiu sua normativa, pedindo que seu secretário almoçasse com o empresário”, disse o deputado-relator.
O empresário nega que o encontro tenha acontecido.
Deputados e magistrados votaram de modo alternado. O duro voto do primeiro desembargador, José Carlos Maldonado, esfriou as esperanças de Witzel em obter os quatro votos necessários junto aos julgadores que considerava mais técnicos.
“A improbidade resta sobejamente demonstrada em ambas as imputações, de forma inquestionável. Vilipendiando a ética, a moral, e os princípios basilares da boa administração pública, o acusado pautou com total descaso, desapego e sordidez sua relação com a coisa pública, atingindo todos os cidadão fluminenses”, disse Maldonado em seu voto.
Ao defender a inabilitação por cinco para o exercício de qualquer função pública, o desembargador Fernando Foch se emocionou.
“Ressalto a crueldade por trás desses fatos. Quantas dessas 44 mil mortes teriam sido evitadas se a probidade administrativa tivesse tido sido respeitada?”, disse ele.
Após os sete votos necessários para seu afastamento definitivo, Witzel classificou como revoltante o resultado. Disse que seria “cassado por combater a corrupção”.
“A norma processual e a técnica nunca estiveram presentes. Não fui submetido a um Tribunal de um Estado de Direito, mas sim a um Tribunal Inquisitório. Com direito a um carrasco nos moldes do estado islâmico, q não mostrou o rosto. Hoje não sou eu o cassado. É o Estado Democrático de Direito”, escreveu ele em sua conta no Twitter.
Witzel não compareceu ao julgamento. O comportamento foi distinto das últimas audiências, na qual fez sua própria defesa, tendo inclusive feito perguntas ao ex-secretário Edmar Santos, delator que o acusa de integrar um esquema de propina.
Seus advogados atrasaram meia hora para chegar à sessão, o que gerou rumores de que Witzel renunciaria ao cargo para evitar a cassação de seus direitos políticos. Em sua conta no Twitter, ele negou a intenção e criticou a fala do deputado Luiz Paulo no julgamento, que defendeu sua condenação.
“Não desistirei jamais do cargo a que fui eleito. Espero um julgamento justo e técnico. As alegações finais do deputado Luiz Paulo são desprovidas de prova e demonstram toda sua frustração por seu grupo ter sido derrotado nas eleições, diga-se o grupo do [ex-governador Sérgio] Cabral e [ex-deputado Jorge] Picciani”, escreveu Witzel.
Ao longo do julgamento, Witzel se manifestou sobre os votos favoráveis ao impeachment.
“A vontade de consumar o golpe é tão grande, que o relator não teve o cuidado de fazer um voto em correlação com a denúncia. Não fui denunciado por omissão. Não conseguiu demonstrar que recebi qualquer vantagem indevida. Pura demagogia. Uma verdadeira aberração jurídica!”, escreveu na rede social.
O ex-governador também comparou sua situação com a do ex-presidente Lula.
“Lamentavelmente o relator do PT está usando exclusivamente a delação de Edmar Santos para fundamentar seu voto, absolutamente contrário a técnica jurídica sem compromisso com um julgamento justo. A grande contradição é que o presidente Lula foi condenado única e exclusivamente pela delação de Léo Pinheiro – réu confesso e desesperado como Edmar. Deputado Waldeck, delação só vale quando é oposição ao delatado?”, escreveu Witzel.
Witzel está afastado do Palácio Guanabara desde o dia 28 de agosto de 2020, data da deflagração da Operação Tris In Idem. A decisão foi do ministro Benedito Gonçalves, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), referendada pela corte.
A investigação apontou um suposto esquema de propina na Secretaria de Saúde do qual o ex-governador participaria.
Ele é réu numa ação penal no STJ e tem ainda duas outras denúncias da PGR (Procuradoria-Geral da República) aguardando a análise da corte superior. Alguns casos devem ser enviados para a 7ª Vara Federal Criminal, onde já corre o processo contra os demais acusados do esquema.
O ex-governador é acusado de participar de uma “caixinha da propina” na Secretaria da Saúde, da qual seria destinatário de 20% do arrecadado pelo esquema. A informação faz parte da delação do ex-secretário da pasta Edmar Santos, exonerado por Witzel no início da pandemia.
O Ministério Público Federal também afirma que ele recebeu propina por meio do escritório de advocacia de sua mulher, Helena Witzel. A firma celebrou contratos com empresas ligadas, segundo a Procuradoria, ao esquema na Secretaria de Saúde.
O ex-governador nega as acusações. Afirma que a delação de Edmar não tem provas. Declara que os clientes de sua mulher não têm relação direta com o estado. Disse também que tinha o direito, como governador, de discordar da punição imposta pela Secretaria de Saúde e que não tinha atribuição para executar contratos da pasta, como o contrato do Iabas.
Ex-juiz federal, Witzel entrou oficialmente na política em março de 2018. Era um coadjuvante na disputa eleitoral daquele ano até duas semanas antes do pleito, quando ganhou o apoio do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e decolou nas pesquisas.
Ele venceu no segundo turno o atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), prometendo alinhamento ao presidente Jair Bolsonaro, eleito no mesmo ano.
Meses depois de tomar posse, Witzel rompeu com o presidente. Sem trânsito entre os deputados da Assembleia Legislativa, o ex-governador ficou sem base política que o sustentasse após o surgimento das acusações do Ministério Público Federal.
Desde o início do processo, Witzel afirma que seu afastamento se deve à ação do presidente Jair Bolsonaro, ex-aliado de quem se tornou adversário em seu primeiro ano de mandato.