Especial de Domingo: Quarta bofetada no golpismo

28/08/22

blogfolhadosertao.com.br

 

Por Ricardo Leitão*

 

Menos de 24 horas depois de Jair Bolsonaro mentir, ao ser entrevistado no Jornal Nacional, negando haver articulações golpistas no Brasil, agentes da Polícia Federal, com mandados de busca e apreensão, entraram nas casas e escritórios de oito empresários bolsonaristas, suspeitos de tramarem um golpe, caso Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja vencedor na eleição presidencial de 2 de outubro.

 

São eles: Luciano Hang, Afrânio Barreira Filho, Luiz André Tissot, Marco Aurélio Raymundo, José Issac Peres, Ivan Wrobel, José Koury e Meyer Joseph Nigri. O grupo é formado por dirigentes e fundadores de grandes empresas, de rede de restaurantes a construtoras. Luciano Hang, 59 anos, dono da rede de lojas de departamento Havan, é o veterano: foi convocado a depor na CPI da Covid, por envolvimento em fraudes no Ministério da Saúde. Prestou depoimento ironizando os senadores, vestido com as cores da bandeira nacional.

Os oito empresários estão sendo investigados por ordem do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e membro do Superior Tribunal Federal (STF). A decisão de Moraes é a quarta bofetada no golpismo em pouco mais de um mês.

A primeira, em 18 de julho, foi dada em reunião no Palácio da Alvorada, quando Bolsonaro tentou, sem sucesso, convencer embaixadores estrangeiros da fragilidade do sistema eleitoral brasileiro. A segunda bofetada foi desferida em 11 de agosto, quando em dezenas de faculdades de Direito foi lido manifesto, assinado por mais de 1 milhão de pessoas, em defesa da democracia e das eleições. A terceira bofetada se deu na posse de Alexandre de Moraes como presidente do TSE. Com transmissão por emissoras de rádio e televisão e diante de 2 mil convidados – entre eles Jair Bolsonaro, com o rosto crispado pelo ódio -, o ministro fez um discurso duríssimo e corajoso contra os que atentam contra a democracia, o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Foi aplaudido de pé.

Na entrevista ao Jornal Nacional, depois da insistência dos entrevistadores, Bolsonaro admitiu que respeitaria o resultado das eleições, “desde que elas sejam realizadas de forma limpa e transparente”. A resposta foi propositalmente ambígua. O que serão “eleições limpas e transparentes” na avaliação de Sua Excelência? Não é atribuição exclusiva do Tribunal Superior Eleitoral concluir que uma eleição é válida e, consequentemente, limpa e transparente? E se essa for a conclusão do TSE e não a de Bolsonaro, o que vai acontecer? Uma contestação do resultado, seguida de um golpe de Estado?

Algo fede a Donald Trump. Derrotado por Joe Biden em uma eleição limpa e transparente, o ex-presidente dos Estados Unidos alegou que os votos enviados pelos Correios haviam sido fraudados e, em decorrência, era ilegal o resultado eleitoral. Os argumentos mentirosos de Bolsonaro sobre a fragilidade das urnas eletrônicas serviriam para as mesmas manobras golpistas.

Até que ponto Sua Excelência esticará a corda? Até aqui, ele se equilibra com um pé em cada canoa. Um se assenta na ruptura institucional e dessa canoa nunca se moveu. O outro pé escorrega na canoa da democracia. Nas últimas semanas, novos ventos empurraram para frente essa canoa. Em 18 de agosto, o Datafolha publicou que Lula tem 47% das intenções de votos, contra 32% de Bolsonaro. A vantagem de 18 pontos percentuais do petista, em julho, caiu agora para 15 pontos percentuais.

Mais: neste mês, o desgoverno começou a despejar R$ 41 bilhões de benefícios nas contas bancárias dos eleitores, com destaque para o Auxílio Brasil, entregue a 20 milhões de famílias pobres (cerca de 80 milhões de pessoas). Elas receberão R$ 600 mensais. Algum efeito eleitoral haverá. Juntem-se a redução do preço dos combustíveis, o vale gás, a diminuição, apesar de discreta, do desemprego e melhores perspectivas econômicas para 2023.

O problema é que Bolsonaro não tira o pé da canoa do golpe e sua resposta ambígua no Jornal Nacional comprova isso. Contudo, até para a ruptura institucional ele precisa se fortalecer eleitoralmente. Para tanto, no momento, uma das principais apostas é a reconversão dos bolsonaristas arrependidos – os eleitores de 2018 que relutam em repetir o voto em 2022. Na virada do ano, Sua Excelência tinha cerca de 50% dos votos dos brasileiros que sufragaram seu nome na eleição presidencial passada. Com a saída de Sergio Moro da disputa, o percentual subiu para 63%, segundo o Datafolha. O número aparentemente é bom, mas não é tanto: significa que um terço dos bolsonaristas de 2018 não está disposto a repetir o voto neste ano. E pior: 19% dos que não votariam mais em Bolsonaro informaram que votarão agora em Lula.

O desafio é grande para Sua Excelência, não mais para vencer no primeiro turno – o que chegou a ser cogitado em algum delírio – porém para chegar vivo no segundo. Jair Bolsonaro não terá o menor escrúpulo de fazer o que estiver ao seu alcance para se manter no poder. Pulará para quantas canoas for preciso. Mentirá quantas vezes for necessário. Atenção total para cada um dos seus atos. É o maior dever, hoje, de um democrata.

 

*Ricardo Leitão é jornalista

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