Especial de domingo: Demagogia movida a petróleo

26/06/22

blogfolhadosertao.com.br

 

Por Ricardo Leitão*

 

Engana-se quem acha ser o cargo de Primeira Dama o mais arriscado na corte de Jair Bolsonaro. Na verdade, é o cargo de presidente da Petrobras, exposto a frituras inclementes assim que o titular assina o termo de posse. Em três anos e meio do desgoverno, três penitentes ocuparam o posto, em rodízio sem precedentes na direção da maior estatal brasileira. O quarto está a caminho: Caio Mário Paes de Andrade, escolhido diretamente por Bolsonaro.

 

Andrade terá como missão impedir que os preços dos combustíveis subam até a eleição presidencial, em 2 de outubro. Um desafio em que fracassaram todos os seus três antecessores – motivo pelo qual foram defenestrados. Nenhum analista do mercado de energia acredita no sucesso do novo presidente, a não ser que mude a política de preços da Petrobras. Ela estabelece que os preços da empresa estarão sempre em paridade com os preços internacionais dos derivados de petróleo: sobem e descem de acordo com as oscilações do mercado internacional. Tal política vigora desde 2015.

Quando sobem – o que é muito mais frequente – majoram todos os demais preços na economia, repercutindo na inflação, que também sobe. Para um desgoverno aos pedaços, inflação alta e descontrolada é um tiro fatal, que atinge no coração o projeto de reeleição de Sua Excelência. Sem ter como lançar a culpa pela crise no colo de alguém, Bolsonaro e áulicos passam a demonizar a Petrobras. Pensaram em privatizá-la, “fatiá-la” e submetê-la ao controle político da base parlamentar bolsonarista. Como nada deu certo, se recorreu ao bode expiatório de sempre e foi demitido o terceiro presidente, José Mauro Ferreira Coelho.

Trata-se, evidentemente, de uma manobra demagógica de Sua Excelência. Não resolve o problema, mas lhe dá um discurso para a campanha eleitoral: “Tentei de tudo, vocês são testemunhas, porém é impossível vencer as forças sinistras que ameaçam a nossa Pátria”. No entanto, o Brasil real é outro. Se as importadoras de petróleo não forem autorizadas, pela Petrobras, a repassar aos consumidores os preços elevados do mercado internacional, vão deixar de importar. Como elas respondem pelo fornecimento de 30% do óleo diesel consumido no País, há risco de desabastecimento – e conturbação com a base bolsonarista dos caminhoneiros.

A invasão da Ucrânia pela Rússia – grande produtora de petróleo e gás – desestabilizou o mercado mundial de combustíveis. Países europeus, dependentes do fornecimento russo, há meses investem em busca de opções energéticas. É uma conjuntura crítica, sem saídas a curto prazo, quando o menos indicado é sujeitar uma estratégica empresa estatal a crise administrativa e política. Contudo, como por aqui quem governa é um desgoverno, se faz o contrário e está a Petrobras sem rumo, com sua imagem internacional e o valor de suas ações caindo no mercado. E apenas para Jair Bolsonaro acreditar que pode ser reeleito.

A mais forte oposição a Sua Excelência pode vir dos caminhoneiros. Há cerca de um mês técnicos da estatal e especialistas em energia alertaram para o risco de desabastecimento de óleo diesel no mercado interno. O Brasil é autossuficiente em petróleo, mas não tem capacidade suficiente de refino para atender toda demanda de gasolina e diesel. O problema, grande, é que falta diesel no mercado externo e a política de preços da Petrobras não dá segurança aos importadores. Se houver desabastecimento de diesel ou os preços nos postos explodirem, os caminhoneiros poderão parar e bloquear as rodovias. O Brasil já viu esse filme e sabe que seu roteiro é caótico.

Se fosse de fato um líder comprometido com o futuro do Brasil, Bolsonaro – mesmo a quatro meses da eleição – promoveria um debate urgente sobre uma política de combustíveis. É uma irresponsabilidade exigir do novo presidente da Petrobras que tenha como missão prioritária o congelamento dos preços da gasolina e do diesel até o dia da eleição. Isso pode desequilibrar financeiramente a estatal, cujos lucros ele considera “um estupro”. Sua obsessão é a caça aos votos e a tal objetivo submete tudo o que resta de seu desgoverno. Porém, até o momento, os resultados são desanimadores.

Sua Excelência está paralisado nas pesquisas de intenção de votos para presidente. Crescem especulações sobre uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno. E a conjuntura não favorece o plano de reeleição: 700 mil mortes na pandemia; 12 milhões de desempregados; inflação na casa dos dois dígitos; desenvolvimento pífio; isolamento internacional e escândalos de corrupção no Ministério do Meio Ambiente, da Saúde e, agora, na Educação. Além, é claro, a ativa prole e seus fantásticos negócios.

Restam a Bolsonaro o populismo e a demagogia. Quanto a isso, o caso da Petrobras é um bom exemplo. Se der certo, ele tenta se sustentar até o dia da eleição. Se não der, volta a se erguer no horizonte a sombra do golpe de Estado.

 

  • Ricardo Leitão é jornalista

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