A morte do expresidente brasileiro João Goulart, o Jango, completará 50 anos em 2026 ainda cercada de mistérios. Único chefe da nação a morrer no exílio, o político que foi deposto pelo regime militar teve como causa oficial de morte um infarto agudo do miocárdio, quando estava exilado na Argentina. Todavia, a família nunca aceitou os relatos e segue em busca de esclarecimentos sobre as suspeitas de que o exmandatário da nação teria sido envenenado ou mesmo assassinado. Um laudo da exumação do corpo de Jango, realizado em 2014, foi considerado inconclusivo sobre a primeira hipótese.
“O que se supõe, e não é só suposição, é que ele realmente foi vítima de troca de remédios por parte da Operação Condor. No Chile, foram mais de 45 casos de envenenamento de guerrilheiros que lutavam contra a ditadura de Pinochet. No caso de Jango, temos declarações de agentes uruguaios que participaram da troca de medicação”, relembra o filho do expresidente, o filósofo João Vicente Goulart, em entrevista ao podcast Direto de Brasília, apresentado por Magno Martins. “A única coisa que não temos — nem teremos jamais — é uma declaração em cartório do presidente Geisel mandando matálo”, ironiza, sobre a falta de evidências concretas.
O herdeiro relembra que o expresidente, deposto em 1964, queria voltar ao Brasil e sofreu com a pressão política, mesmo não estando mais cassado. “O Uruguai perseguia o pai. Ele dizia que não estava mais cassado, que seria só por dez anos, até 1974. Ele não queria renunciar ao asilo político e pediu residência ao ministro do Interior. Foi negado. E ele ficou numa situação de viver entre Argentina e Uruguai, sem residência legal. Não dormia duas noites no mesmo lugar, por isso morreu na Argentina. Ficava nessa instabilidade, não tinha passaporte. Por isso dizemos que mataram ele de qualquer jeito, ou com veneno, ou com perseguição”, afirmou.
“O Brasil foi um dos países que mais operacionalizou a Condor, mas sem divulgar os nomes de agentes e militares que lá estavam. Até hoje, já tivemos a liberação e a desclassificação de vários documentos dos serviços secretos. A presidente Dilma Rousseff, quando chefe da Casa Civil, nos liberou mais de 700 documentos sobre a repressão no Brasil, mas não foram liberados os nomes dos agentes que participaram, que sequestraram, mataram e eliminaram vários brasileiros que ainda estão desaparecidos e não sabemos onde foram parar. Temos esta posição de reivindicar. Fomos vítimas da ditadura, mas a maior vítima é o Estado brasileiro, a cidadania, a soberania, a defesa do cidadão brasileiro que passou por todas essas barbaridades e até hoje não tem essa resposta”, observou o filósofo.
As memórias dele, que hoje preside a fundação que leva o nome de seu pai, contestam o atual momento brasileiro. João Vicente classifica como “absurdos” os pedidos de volta do regime militar feitos por defensores do expresidente Jair Bolsonaro. Ele sugere uma reflexão sobre a falta de memória do povo brasileiro e a necessidade de esclarecer a juventude sobre o que foram os anos de chumbo.
“Temos que ver profundamente se cuidamos ou não dessa democracia. Hoje estamos vendo esse antagonismo de ódio, que é muito grave. Temos jovens pedindo a volta da ditadura. Eles não conhecem o que foi a ditadura. Querem liberdade de expressão e pregam a volta da ditadura. Temos que fazer uma profunda recuperação desse momento histórico. O Brasil tem um esquecimento muito grande da sua história. Temos que fazer uma reflexão política e transmitir a essa nova geração o que aconteceu no Brasil, que foi muito grave. Mesmo porque aqueles que não conhecem o que aconteceu tendem a repetir”, afirmou João Vicente Goulart.