Arraes, o homem que falava a linguagem de seu povo e via o futuro do país

19/12/21

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Por Geraldo Eugênio *

 

 

Quando menino ouvia falar em figuras que faziam a política alagoana como Silvestre Péricles; Muniz Falcão, o pernambucano de Araripina e o paraibano, prefeito de Maceió, Sandoval Caju. Destoava um nome de uma terra distante, o governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Nunca imaginei o porquê de ele ser conhecido em Alagoas. Não me lembro de ninguém falando mal de Dr. Arraes, talvez alguns nas esquinas do Alto do Cruzeiro o bairro que cresci e ainda hoje considero meu habitat infantil, o tivesse como comunista, mas também não imaginava o que era ser comunista, mas seu nome ficou na memória.

Fui crescendo e decidi-me por vir ao Recife estudar Agronomia, como vários amigos contemporâneos, de Arapiraca: Valdir, Engenharia Química; Laelson, Veterinária; o time da Agronomia, Paulo Roberto, Wagner e eu. Foi quando, em 1975, percebi de fato o que representava a luta política no estado de Pernambuco e a figura de Arraes, ainda exilado, mas parte do imaginário popular de Pernambuco. O sebastianismo alimentado, em especial, a partir da Vitória de Marcos Freire, para o Senado, em 1974.

O maior acontecimento cívico em Pernambuco dos anos setenta foi a chegada de Miguel Arraes, em 1979 e o comício no Largo de Santo Amaro. Lá se podia ver que Arraes contava com adeptos a sua espera do sertão ao cais. Estive fora por dois anos entre 1981 e 1983 e não pude me fazer presente à eleição de 1982, primeira de Lula e quando Marcos Freire, o candidato da burocracia do MDB, contando com a ajuda de Jarbas Vasconcelos e muitos que se mantiveram na política parasitando o nome impediram Arraes de se candidatar. Marcos Freire foi derrotado por Roberto Magalhães que contou a vinculação dos votos, o jeito bruto de se fazer política e a máquina azeitada do governo estadual e prefeituras envolvidos em todo e qualquer tipo de jogo.

A eleição de Jarbas Vasconcelos para a Prefeitura de Recife, em 1985, quando o seu maior adversário foi Sérgio Murilo, também ungido pela cúpula do MDB, foi outra lição do que viria ocorrer. Quem o salvou foi o PSB, que o abrigou como partido. Em 1986, o arraesismo estava calejado e pronto para a disputa. Nosso ex-ministro José Múcio, então um jovem ex-secretário de estado, não seria páreo para aquele em que tantas esperanças eram depositadas. Além da vitória, a força de Arraes elegeu Antônio Farias e Mansueto de Lavor ao Senado.

Comecei a entender claramente o que fazia quele homem ser tão querido e admirado. Sua ação sempre foi voltada para as deficiências dos mais humildes. Seus programas eram a cara do povo e nem sempre compreendidos pela população urbana, de Recife, ou por quem considerava que as ações não passavam de esmolas. Um grande engano posto à prova definitiva no segundo mandato de Fernando Henrique que, de fato, iniciou através do esforço de D. Rute Cardoso, o embrião do Bolsa Família e o Chapéu de Palha e no primeiro mandato do governo Lula.

Implementou o mais avançado programa de eletrificação no campo em todo o país, o Luz para Todos e com isto antecipou uma discussão que se arrasta até hoje sobre que de fato é a demanda tecnológica do homem do campo. Primeiro, Dr. Arraes partia do princípio de que tudo que alivie a carga de trabalho, que melhore seu bem estar e que possa agregar renda e dignidade se tratava de avanço. Sérgio Rezende e eu ouvimos várias vezes este mantra.

Todos sabiam como ele pensava. Havia dado provas muito atrás com o Acordo do Campo, quando pela primeira vez na história do país o cortador de cana pode contar com um salário-mínimo, férias e o que estabelecia a CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, um instrumento criado pro Getúlio Vargas durante o Estado Novo, mas que chegou à Pernambuco pelas mãos do governador do povo, como era conhecido.

Compreendi hem a lógica de sua política e melhor ainda quão difícil é sem cair no populismo rasteiro e fariseu, implantá-la sempre em busca de elevar o nível de qualidade de vida de um povo. Vi milagres. Eleições que foram revertidas a partir de uma visita de Dr. Arraes nos últimos dias da campanha, a exemplo de Custódia e Água Preta, em 1996. Ouvi Sr. Biu, ex-Prefeito de Xexéu, expressar o sentimento de revolta por que nas eleições de 1994, Arraes somente tinha conseguido 92% dos votos no município foi algo surreal. Ele alegava que houve fraude.

A história é comprida, mas este relato trás um pouco do que é a relação construída a partir da prática política e gerencial de um político que tinha um pé no Brasil dos anos 50, mas que sempre teve o outro no século XXI. Este foi o Arraes que conheci.

*Geraldo Eugênio.   Professor Titular da UFRPE-UAST, Serra Talhada e ex-Secretário de Agricultura no governo Arraes entre 1995 e 1996.

 

6 comentários sobre “Arraes, o homem que falava a linguagem de seu povo e via o futuro do país”

  1. Carlos Antonio Pereira da Nóbrega19 de dezembro de 2021 às 10:49Responder

    Muito bem Geraldo, não poderia ter detalhado melhor! Lembro-me que participei de parte dessa epopéia!

  2. Airon Melo19 de dezembro de 2021 às 11:42Responder

    Nosso doutor Geraldo Eugênio, sempre trazendo aos dias atuais a a história que muitos não viveram e não tiveram a oportunidade de viver está história. Eu sou fruto deste político, pensador e que viveu a política sem a politicagem. Viva Miguel Arraes de Alencar, nosso governador!

  3. Cicara Farias19 de dezembro de 2021 às 14:54Responder

    Nobre Dr. Geraldo, falar de Dr. Arraes é falar do povo Nordestino, um homem que vem do sertão do Araripe e chegar várias instância na políticas. É ter e ser povão…. É deixar vários fenômenos, um é a vossa excelência. Parabéns.

  4. Neuma Pimentel19 de dezembro de 2021 às 19:21Responder

    Geraldo, gostei do seu artigo. Concordo com a sua percepção de Dr. Arraes. Ele coerente, tinha um desejo imenso de construir um Brasil melhor. Sinto falta de sua conduta do seu jeito de sentir o Brasil

  5. Romero Marinho de Moura20 de dezembro de 2021 às 09:28Responder

    Caro prof. Geraldo Eugenio
    Sua matéria é de excelente qualidade. Uma crônica de nobre valor sobre aquele que foi um dos atores principais da história política deste pais e que proporcionou temporariamente o sentimento de esperança entre os mais pobres. Parabéns!!!

  6. Evaldo Costa24 de dezembro de 2021 às 15:28Responder

    Belíssimo relato, Geraldo. Você é testemunha ocular desta história

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