26/07/25
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Ao atravessar trecho da caatinga do sertão pernambucano, em 1970, o padre João Câncio viu uma cruz cravada no chão e perguntou ao vaqueiro que o acompanhava, Júlio Duqueira: “Quem morreu aí?” Júlio respondeu: “Um vaqueiro, Raimundo Jacó, primo de Luiz Gonzaga, o povo conta que foi matado”. O padre, então, teve a ideia: “Vamos celebrar aqui uma missa por essa alma esquecida”.* Daí acabou surgindo a Missa do Vaqueiro, realizada pela primeira vez em 1971, com celebração do padre João Câncio, em um altar feito com paus da caatinga. Luiz Gonzaga se incorporaria à cerimônia no ano seguinte. Os dois foram grandes amigos e Gonzaga chegou a colocar dinheiro do próprio bolso para viabilizar a realização do evento, nos primeiros anos.
É esta Missa, considerada Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, que chega à 55ª edição neste domingo (27/07), no Parque João Câncio, em Serrita (540 km do Recife).
“É mais que uma celebração. É um ato de memória, justiça e comunhão. Cada aboio que ecoa no parque é um chamado para não esquecermos de quem somos”, afirma Helena Câncio, presidenta da Fundação Padre João Câncio, entidade responsável pela realização do evento. Helena é viúva do padre – os dois se apaixonaram, ele deixou a batina e se casaram.

Raimundo Jacó era um vaqueiro conhecido por sua habilidade em cuidar do gado e sobretudo em pegar boi fugido. Foi morto em julho de 1954 – daí a Missa acontecer sempre neste mês. Nunca se descobriu seu matador. Seu corpo foi encontrado com sinal de uma pancada na cabeça. Ao lado, uma pedra manchada de sangue. A vaca desgarrada que ele saíra para procurar estava lá, amarrada. O cachorro que sempre acompanhava Jacó em suas andanças, também se encontrava no local, acocorado, observando tudo. As suspeitas do crime recaíram sobre o vaqueiro que saíra com Jacó na tarde em que ele desaparecera. A motivação do crime teria sido inveja, disseram na época. O homem foi preso e solto pouco depois. Nada se provou. A morte de Jacó ficou impune. Em 1957, Gonzaga cantou esta história em “A morte do vaqueiro”, um baião tão pungente que chega a doer, com letra do caruaruense Nelson Barbalho.

Mas, voltemos ao presente.
A celebração da 55ª Missa, neste domingo, será feita pelo padre Antônio Maria, um dos sacerdotes mais populares do Brasil, cantor e compositor de músicas religiosas.
A programação começa a partir das 8h, com shows “Cantando Gonzaga”, que terá como uma das atrações Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha e neto de Luiz Gonzaga. Outras presenças confirmadas são a da veterana Anastácia, do tradicional Coral Aboios, Chambinho do Acordeon, Fábio Carneirinho, Sarah Leandro, Gabi Cysneiros e Henrique Brandão
A liturgia sertaneja se completa com a presença de poetas e aboiadores como Chico Justino, Cícero Mendes, Fernando Aboiador, Zé Carlos do Pajeú, André Santos, Léo Aboiador e Antônio Santana.
Em seguida haverá o tradicional Desfile dos Vaqueiros e, às 10h, a celebração do padre Antônio Maria. Mais informações na conta oficial @missa_do_vaqueiro, no Instagram.
O evento conta com o apoio do empresário Antônio Souza, do governo de Pernambuco (através da Empetur), do Ministério da Cultura, da Diocese de Salgueiro e da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, de Serrita.
DUAS MISSAS DO VAQUEIRO NO MESMO MUNICÍPIO
Serão duas missas em Serrita este ano. A original, neste domingo, 27, e a outra que foi criada pela prefeitura do município, realizada domingo passado (20), como parte da Festa de Jacó (também criação da prefeitura). O evento é hoje motivo de desentendimento entre a Fundação Padre João Câncio e a prefeitura.
*A história e o diálogo me foram contadas pelo próprio vaqueiro Júlio Duqueira, em Serrita, em 2019, durante entrevista que fiz para o livro “João Câncio – o padre vaqueiro”, de minha autoria, publicado pela CEPE (Companhia Editora de Pernambuco) naquele ano.