Especial de Domingo: Três bofetadas no golpismo

21/08/22

 

21/08/22

blogfolhadosertao.com.br

 

Por Ricardo Leitão *

 

Em 30 dias, o golpismo recebeu três bofetadas certeiras. A primeira, em 18 de julho, no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, quando Jair Bolsonaro convocou os embaixadores estrangeiros para lhes informar que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Falou por 40 minutos e não permitiu perguntas. No final, os embaixadores deixaram o palácio sem cumprimentar Sua Excelência. Nas 48 horas seguintes, as embaixadas dos Estados Unidos e da Inglaterra divulgaram notas oficiais enfatizando a eficiência do sistema eleitoral brasileiro e a lisura das eleições no País, desde a adoção das urnas eletrônicas, em 1996. Malograva ali a tentativa de envolver países aliados em manobras golpistas.

 

A segunda bofetada foi desferida em 11 de agosto, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e ecoou em outros locais, inclusive no exterior. Diante de uma multidão, com transmissões ao vivo por emissoras de rádio e de televisão, professores leram manifesto, assinado por mais de 1 milhão de brasileiros, em defesa da democracia e das eleições de outubro. Pela primeira vez a sociedade civil ocupava as ruas e protestava contra o golpismo.

Pouco depois, a terceira bofetada contou com o testemunho de Bolsonaro, rosto talhado pelo ódio. Foi no dia 16 de agosto, na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília, diante das chamadas altas autoridades do País. Ao discursar como novo presidente do tribunal, o ministro Alexandre de Moraes fez críticas aos que atentam contra a democracia, o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Um protesto duríssimo frente o golpismo, e aplaudido de pé por cerca de 2 mil pessoas presentes na solenidade. Moraes, que vai presidir as eleições, já foi chamado de “canalha” por Bolsonaro.

As três bofetadas, no entanto, não nocautearam as articulações golpistas. Logo após a posse do novo presidente do TSE empresários bolsonaristas foram flagrados trocando mensagens, em redes sociais, sobre apoio a uma ruptura institucional, caso Luiz Inácio Lula da Silva vença as eleições. Em paralelo, não diminuem as especulações de que as milícias de extrema direita, mais uma vez estimuladas por Sua Excelência, vão se aproveitar do Sete de Setembro para “denunciar” o risco de fraude no pleito de 2 de outubro.

A reação de Jair Bolsonaro à sucessão de bofetadas ainda é desconhecida. Antes da leitura do manifesto de 11 de agosto, ele o tratou como “cartinha”. Surpreendido pelo tamanho da repercussão nacional e até no exterior do documento, se calou. Na posse de Alexandre Moraes, seu desafeto, entrou no plenário tenso e mudo e saiu nas mesmas condições.

Não há dúvidas de que as três bofetadas da sociedade civil foram uma demonstração de unidade contra o golpismo. Demagogicamente, como é seu estilo, Bolsonaro poderia até saudá-las como demonstração de vigor da democracia no Brasil, que ele tanto preza e por qual tanto se empenha, a ponto de se submeter ao que os antigos chamavam de “escrutínio popular”. Nada disso aconteceu, nem acontecerá. Seria esperar demais de um político gestado na ditadura de 1964, defensor da tortura, autocrata, expulso do exército por planejar atos terroristas.

Posta-se dessa forma Sua Excelência diante de uma escolha decisiva: continuará apostando no golpe, depois da mobilização da sociedade civil pela democracia – que continuará – ou enfrentará Lula nas urnas, tentando levar a decisão da disputa para o segundo turno?

O bolsonarismo faz as contas, enquanto derrama bilhões de reais em todas as regiões, buscando manter ou reverter votos. De agora até o final de setembro, véspera das urnas, estima-se que o desgoverno distribuirá cerca de R$ 41 bilhões, somando-se o Auxílio Brasil, bônus para caminhoneiros, taxistas e dispensa do pagamento de impostos por pastores evangélicos. Ao mesmo tempo, a Caixa Econômica Federal anunciou que irá destinar R$ 60 bilhões em empréstimos para microempresas, antes das eleições. As “bondades” totalizam portanto R$ 101 bilhões, algo nunca visto antes na tormentosa história desse País.

Serão necessários alguns dias para que as pesquisas de intenção de voto capturem os efeitos desse descarrego de dinheiro no eleitorado. Há quem opine que o tempo é curto para que ocorram mudanças; outros acreditam que ainda são possíveis alterações na escolha dos eleitores. Isso poderia levar ao crescimento de Bolsonaro, a ponto de impedir a vitória de Lula no primeiro turno. No segundo turno, Sua Excelência repetiria a receita de 2018: o antipetismo, a demonização da esquerda, a pauta conservadora nos costumes, a corrupção desmontada pela Operação Lava Jato. Se nada der certo, Bolsonaro tentará o golpe, ao ver confirmada sua derrota.
Não se trata aqui de tanques nas ruas e quartéis sublevados, porém uma tentativa de alterar o resultado eleitoral, com milicianos ensandecidos e armados nas ruas e pressão sobre o TSE e o Congresso. O argumento? Fraude nas urnas eletrônicas. A mesma receita usada por Donald Trump, que denunciou sem provas fraude na votação pelos Correios, tentando impedir a confirmação da vitória de Joe Biden, o que resultou na invasão do Congresso dos Estados Unidos, com mortos e feridos.

Falta pouco mais de um mês para o eleitor pressionar o teclado da urna eletrônica. Até lá os tempos continuarão turbulentos. De positivo, nos últimos dias, as três bofetadas no golpismo. No entanto, como dito antes, ele não foi a nocaute. Sua Excelência e os golpistas precisam ficar isolados nas cordas, esperando o golpe final. Vencê-los significará a vitória do Brasil e da democracia.

 

  • Ricardo Leitão é Jornalista

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