Grupo usou nomes de produtores rurais mortos para desvio milionário em programa social de Pernambuco, diz PF

08/07/25

Raphael Guerra

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Inquérito apontou que empresários criaram empresa de fachada para firmar contratos com governo estadual no programa de distribuição de leite a pobres

 

Investigação identificou que leite fornecido sofria adulteração

Investigação identificou que leite fornecido sofria adulteração – PF/DIVULGAÇÃO

 

Após três anos de investigações, a Polícia Federal em Pernambuco indiciou 40 pessoas, entre empresários e servidores públicos, suspeitas de integrarem uma organização criminosa que criou uma empresa de fachada para firmar contratos fraudulentos e desviar quantias milionárias do programa social Leite de Todos, custeado pelos governos federal e estadual.

A coluna Segurança, do Jornal do Commercio, teve acesso à conclusão do inquérito conduzido pela Delegacia de Combate à Corrupção e Crimes Financeiros. No documento, de 636 páginas, há a informação de que o grupo investigado apresentou recibos de ao menos 33 produtores rurais já mortos para receber dinheiro repassado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário.

O programa Leite de Todos foi criado para aquisição de alimentos a produtores rurais de pequeno porte e distribuição a beneficiários em situação de insegurança alimentar e nutricional.

No esquema, de acordo com a investigação, o leite sofria adulteração – com a inserção de sono de leite e citrato/dióxido de titânio para diminuir custos e ponto em risco a saúde de quem o consumia.

A investigação teve início a partir do recebimento de Relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), trazendo indícios de desvio de verbas públicas na secretaria estadual e apontando, somente no ano de 2020, o prejuízo aproximado de R$ 8,5 milhões.

Segundo as investigações da Polícia Federal, a pasta estadual firmou contratos, entre 2014 e 2020, com a Cooperativa dos Pecuaristas e Agricultores de Itaíba (COOPEAGRI) e repassou mais de R$ 73 milhões. Já entre 2021 e 2022, mais de R$ 22 milhões foram pagos. Parte dos valores era do extinto Ministério da Cidadania.

Com a fiscalização do TCE-PE, constatou-se que a COOPEAGRI “não passa de uma placa na fachada de uma loja de miudezas pertencente à filha do presidente da entidade” e que quase que a totalidade dos valores recebidos eram repassados ao laticínio Natural da Vaca Alimentos LTDA, em Gravatá, no Agreste do Estado, responsável pela execução do serviço contratado.

A Polícia Federal acusa o grupo de fraudar documentos de produtores rurais como forma de comprovar a obrigatória aquisição do leite in natura por parte deles para que valores em dinheiro fossem repassados pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário.

“Não surpreendentemente, fraudaram o processo de despesa apresentando recibos de produtores de leite falecidos à época do suposto fornecimento”, descreveu a PF. Dos 33 mortos identificados pela PF, ao menos sete tiveram os nomes usados em recibos desde a contratação inicial, em 2014.

O produtor Francisco Alves de Lira, por exemplo, faleceu em 7 de setembro de 2011. Na prestação de contas da COOPEAGRI consta um recibo de 1,5 mil litros de leite com data de outubro de 2014.

José Ailton da Silva, que morreu em 2 de março de 2011, também teve o nome usado indevidamente. Ele consta como fornecedor de 5,4 mil litros de leite em outubro de 2014.

Durante a investigação, a PF também verificou que empresas investigadas tinham contrato com a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco, na gestão anterior, para fornecimento de leite.

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SERVIDORES PÚBLICOS ENTRE OS INDICIADOS
Para os investigadores, a organização era bem estruturada e com funções distintas, divididas em líderes, gerentes, auxiliares, responsáveis pela produção, testas de ferro, falsificadores, laranjas e servidores públicos.

No inquérito, entre os indiciados estão os empresários Paolo Avallone, dono da Natural da Vaca Alimentos LTDA, e Francisco Garcia Filho, com vínculo com a Planus Administração e Participações, apontados como os líderes do esquema, e Severino Pereira da Silva, presidente da COOPEAGRI.

A coluna tenta contato com as defesas deles.

Ex-funcionários da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário, a exemplo de gerentes jurídicos e de licitações e uma coordenadora de articulação, estão entre os indiciados.

O inquérito revelou ainda que membros do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) teriam participado da emissão de documentações fraudulentas para garantir o repasse de dinheiro.

Os crimes investigados foram de desvio de verba pública, estelionato, corrupção, obstrução à justiça, falsidade ideológica, crimes contra a saúde pública e lavagem de dinheiro.

Ao longo da investigação, ao menos duas operações foram deflagradas, com cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão, em novembro de 2022 e junho de 2023. Na última, a Justiça determinou o encerramento de todos os contratos das empresas investigadas com o governo estadual.

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