19/02/25
Agência O Globo
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Depoimentos e documentos apreendidos reforçam acusação de suposta tentativa de golpe
A denúncia da Procuradoria-Geral da República ( PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por uma suposta tentativa de golpe de Estado, que teria ocorrido em 2022, reúne uma série de provas, incluindo depoimentos, mensagens e documentos.
Confira a seguir as provas listadas:
Minuta golpista
Uma das principais descobertas da investigação foi a elaboração de uma minuta de decreto com teor golpista, apresentado por Bolsonaro aos comandantes das Forças Armadas.
O relato, contudo, foi depois confirmado por diversos outros elementos, incluindo os depoimentos dos próprios ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, além de mensagens e registros de entrada no Palácio da Alvorada.
Em depoimento à PF, o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes afirmou que Bolsonaro, após cogitar outros instrumentos jurídicos, propôs em uma reunião do Alvorada a decretação de Estado de Defesa e a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral”.
Freire Gomes afirmou que ele e o então comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior afirmaram de forma “contundente” que eram contrários, enquanto o comandante da Marinha, Almir Garnier, “teria se colocado à disposição”.
Baptista Junior reforçou o relato e afirmou que disse a Bolsonaro “que não aceitaria qualquer tentativa de ruptura institucional para mantê-lo no poder”.
Mensagens de áudio enviadas por Cid a Freire Gomes no início de dezembro também corroboram a narrativa. O tenente-coronel afirma que Bolsonaro estava sendo pressionado “a tomar uma medida mais radical”, e que o presidente “enxugou o decreto”.
Pressão aos comandantes
Freire Gomes e Baptista Junior relataram, em depoimento à PF, que sofreram pressão para aderir ao golpe de Estado. Um dos mecanismos de pressão foi o documento chamado de “Carta ao Comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do Exército Brasileiro”. Militares da ativa são proibidos de se manifestarem politicamente.
Após a negativa dos comandantes de aderir ao golpe, houve uma onda de ataques. O ex-ministro Walter Braga Netto ajudou a incentivá-los, enquanto orientou elogios a Almir Garnier.
Elaboração do documento
De acordo com a PF, a minuta lida para os comandantes foi elaborada por Filipe Martins, então assessor da Presidência, pelo padre José Eduardo Silva e pelo advogado Amauri Saad.
Martins e Silva têm registros de entrada juntos no Alvorada. Também há diversos registros de antenas de celular de Silva e de Saad na proximidade da casa alugada pelo PL para funcionar como comitê de campanha de Bolsonaro.
Conhecimento sobre a minuta
O mesmo decreto apresentado aos comandantes foi encontrado em janeiro de 2023 na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Após a apreensão ser noticiada, diversos investigados trocaram mensagens entre si.
O ex-assessor Marcelo Câmara, por exemplo, disse a Mauro Cid que o documento “não seguiu porque poderia não ter amparo jurídico”. Filipe Martins enviou diversas mensagens ao tenente-coronel, mas apagou seu conteúdo em seguida.
Plano de assassinato
Foi encontrado com o general da reserva Mario Fernandes um documento chamado de “Punhal Verde e Amarelo”. De acordo com PF, era um plano de sequestro e possível assassinato do ministro Alexandre de Moraes e de assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin.
No caso de Lula, o plano cita a possibilidade de “envenenamento ou uso de química / remédio que lhe cause um colapso orgânico”. O documento também tinha diversos detalhes de como seria sua execução, incluindo armas que seriam utilizadas, como uma metralhadora e um lança-granadas.
Quatro minutos após esse arquivo ser modificado pela última vez, um outro documento, com o mesmo número de páginas, foi impresso no Palácio do Planalto, no dia 9 de novembro. Esse segundo arquivo foi nomeado de “Plj”, o que a PF acredita que seja uma abreviação para planejamento.
Quarenta minutos depois da impressão, Mario Fernandes foi ao Palácio da Alvorada.
O mesmo arquivo foi impresso novamente no dia 6 de dezembro, em um momento em que Bolsonaro também estava no Planalto.
Monitoramento de Moraes
Um grupo com o nome Copa 2022 foi criado no aplicativo de troca de mensagens Signal. Os envolvidos usaram linhas de telefone em nome de terceiros e adotavam nas conversas nomes de países, como Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil, Japão e Gana.
Houve uma intensa troca de mensagens no dia 15 de dezembro envolvendo o monitoramento de Alexandre de Moraes. Alguns integrantes do grupo informavam estar na “posição”.
Às 20h53, contudo, foi enviada uma notícia informando que a sessão do STF seria interrompida e prosseguiria na semana seguinte. “Tô perto da posição. Vai cancelar o jogo?”, questionou um deles. “Abortar”, responde outro.
O que acontece agora?
A denúncia é a acusação formal contra Bolsonaro e seus aliados, após a análise dos indícios levantados pela Polícia Federal. O caso tem como relator o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela próxima etapa do processo: dar prazo de 15 dias para que as partes se manifestem.
Em seguida, a Primeira Turma do STF decide se a denúncia da PGR será recebida ou rejeitada. Caso os ministros entendam que há indícios do cometimento de crime, a denúncia será recebida, e o ex-presidente vai virar réu.
Só então, inicia-se a fase de instrução do processo, em que são colhidas as provas: as partes são ouvidas, pode haver solicitação de diligências e perícias, bem como pedidos de nulidade.
Uma vez encerrada a instrução do caso, é Moraes, na condição de relator, que deverá elabora o voto. Não há prazo para que essa análise seja feita e o julgamento só ocorre após a apresentação do relatório.
Envolvidos negam irregularidades
Jair Bolsonaro admitiu ter discutido medidas jurídicas com os comandantes das Forças Armadas, mas negou que isso configure um golpe.
— Os comandantes das Forças falam que “Bolsonaro discutiu conosco hipóteses de (artigo) 142, estado de sítio, estado de defesa”. E eu discuti, sim. Não foi nenhuma discussão acalorada. (…) Golpe usando a Constituição? O que está dentro da Constituição você pode utilizar — afirmou Bolsonaro à Revista Oeste, em novembro.
A defesa de Walter Braga Netto afirmou que “nunca se tratou de golpe, e muito menos de plano de assassinar alguém”.
A defesa de Mario Fernandes declarou que o chamado “Punhal Verde e Amarelo” não foi entregue a ninguém e que não há relação entre o plano e a operação denominada de Copa 2022.
Anderson Torres negou, em depoimento, ter “fornecido suporte jurídico ou técnico” à tentativa de golpe e disse que não sabia a origem do documento encontrado em sua casa.
Filipe Martins negou, em depoimento, ter participado de qualquer reunião, conversa ou discussão de “teor golpista”.
José Eduardo Silva afirmou, em depoimento, que esteve em Brasília para dar um “atendimento espiritual” para Bolsonaro.