O sapateiro lembrava as datas e fatos históricos mais importantes da política de Salgueiro nas conversas com os visitantes, familiares e amigos. Ele sempre foi lúcido, apesar da idade avançada.
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Bano era “uma lenda viva” de Salgueiro e nos deixou ontem à tarde.
De acordo com Beto da Compesa, seu pai estava com um câncer no estômago e faleceu na tarde de ontem, em sua residência, na rua Inácio de Sá, no centro da cidade e o velório está sendo realizado no Centro de Velório do Saf, também no centro da cidade. Papai recebeu assistência, mas morreu momentos depois, contou o filho.
Beto também informou que o sepultamento de seu pai será realizado no cemitério municipal de Salgueiro até o final da tarde de hoje, depois das providências de praxe, que estão sendo tomadas, como o preparo da documentação e a consequente autorização da Prefeitura.
Bano nasceu em Salgueiro, foi batizado e registrado com o nome de Urbano Amâncio Pereira, passando a ser chamado pelo apelido durante toda sua vida. Ele nasceu em 15 de maio de 1930, e completaria no mês de maio 95 anos de idade, sendo o sapateiro mais longevo do Sertão e provavelmente do do Estado.
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16/05/23
blogfolhadosertao.com.br
Por Machado Freire
O sapateiro Urbano Amâncio Pereira – Bano, comemorou ontem (15 de maio de 2023) 93 anos de idade, em sua casa, na rua Inácio de Sá, no centro de Salgueiro.
Desta vez, a esposa e os filhos não organizaram uma festa, preferido fazer uma visita ao aniversariante que continua se recuperando de problemas de saúde. Ele gosta de se manter informado assistindo TV ao lado da estimada e ciumenta cachorinha Sacha, o xodó da casa.
O incansável trabalhador que se aposentou de verdade depois dos 80 anos, gosta de conversar e rememorar os fatos mais importantes da cidade quase bicentenária, Encruzilhada do Nordeste, como a inauguração da energia elétrica, nos idos de 1964, em plena crise política que originou a ditadura militar.
Ora, o pai de Bano foi o funcionário de confiança do empresário Veremundo Soares encarregado de ligar o maquinário que gerava a energia elétrica da cidade. “Eu soube que houve um desentendimento político na hora da inauguração da energia de Paulo Afonso”, disse Bano sem apresentar detalhes do entrevero que envolveu o ex-governador governador Paulo Guerra e o prefeito Severino Alves de Sá. A partir daquele momento, a administração municipal ficou isolada do governo do Estado.
Mesmo sem festa de aniversário e com saudade de uma cervejinha, que não pode beber por causa dos remédios que precisa tomar para controlar os problemas de saúde, Bano se mostrou muito satisfeito por ter votado no presidente Luis Inácio Lula da Silva, nas eleições do ano passado. “Eu votei em Lula e votava de novo”, disse o longevo sapateiro com satisfação de quem não entendia porque os brasileiros caíram “no conto do vigário”, ao eleger Jair Bolsonaro para presidente da república.
Trabalhador por excelência, Bano faz questão de lembrar o seu relacionamento com velhos amigos e profissionais sque trabalharam com ele nos bons tempos da Salgueiro que produzia calçados, couro, bolacha, beneficiava óleo e sabão vegetais no Cortume Nossa Senhora de Fátima e na empresa do coronel Veremundo Soares.
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Um resumo da longa história de Bano
Ainda na década de 60, o sapateiro que deixou Salgueiro muito novo para trabalhar no Recife ( “no meio de uma cambada de comunistas”, segundo lhe disseram ), voltou a comparecer à sessão 48a. da Escola Professor Manoel Leite, logo cedo da manhã, acompanhado do seu filho Beto da Compesa, para satisfazer sua vontade de contribuir, mais uma vez, com o voto para eleger Lula presidente.
Tanto Bano quanto o filho, estavam vestidos com tons bem avermelhados que combinam com as cores do Partido do Trabalhadores (PT) e agremiações adversárias do presidente Jair Bolsonaro, que teria se apropriado indevidamente das cores verde e amarelo.
Quem conhece Bano, sabe que ele nunca se envolveu em política-partidária, mas sabe muito bem que o sapateiro mais longevo da cidade nunca gostou da mesmice e sua tendência era para a oposição, sendo muito fácil explicar (e entender) porque ele sempre votou no pernambucano Luis Inácio Lula da Silva.
Trata-se de um trabalhador nascido em plena ditadura Vargas e que ainda hoje tem uma atividade laboral perene, com a mesma dedicação e zelo de um aprendiz que muito espera um futuro promissor.
Aposentado pela Prefeitura de Salgueiro, com um mísero salário mínimo, como encanador, Bano pode ser considerado o sapateiro mais antigo (e em atividade) no município e do resto do Sertão, com uma longa história – cheia de altos e baixos para contar, sem levar em conta que também se trata de um bom pescador (nas horas vagas).
Filho de família humilde, logo cedo começou a trabalhar com o pai na usina de caroá do industrial e comerciante Veremundo Soares, um empreendedor conhecido no pais inteiro, nos tempos em que ainda não existiam estradas. “Eu trabalhava botando lenha na caldeira; tempos depois comecei a trabalhar como aprendiz de sapateiro com Aderbal Conserva (que mudou de ramo para fotógrafo) e também passei uns tempos com Afonso Ferreira (o Afonsinho) e Pedro José, que tinham oficinas de sapataria, conta o velho artesão, com riqueza de detalhes, embora diga que “anda muito esquecido das coisas”.
Mas o que mais marcou a vida de Bano, como sapateiro profissional, conforme ele mesmo lembra, foi sua ida para o Recife, em l950, onde viveu (e aprendeu) durante quase dez anos numa vida muito agitada na “Veneza Brasileira”. “Fui pensando que sabia de tudo, mas na verdade foi lá que eu aprendi com outros companheiros na Sapataria de Almeida e na sapataria de uma viúva que fornecia calçados feitos para as sapatarias e lojas da capital”, explica.
Na luta em comunidade, Bano conviveu com trabalhadores idealistas e sindicalizados que brigavam por seus direitos, muitos que assumiam ser “comunistas fichados”. “Eu participei de uma greve junto com os comunistas, fui demitido mas a viúva pagou meus direitos. Peguei minhas ferramentas e fui embora”, comemora o sertanejo que tinha como endereço o Ibura, hoje um dos bairros mais populosos do Recife. De lá ele, como negro, ia para o Arruda torcer pelo Santa Cruz, “porque foi convencido que o Náutico era time de branco”.
A última parada de Bano (depois de deixar o Recife) foi Araripina – antes de voltar definitivamente para Salgueiro, onde ainda hoje permanece. “Eu foi chamado por meu irmão João para botar um negócio em Araripina. Deu tudo errado e eu quebrei em apenas seis meses. Chegando em Salgueiro, recebi o apoio de Chico de Calista e voltei a trabalhar na minha oficina, já que trabalhar para os outros não presta”, comemora.
Apesar de ser uma pessoa a bem informada, Bano diz que não teve muito tempo para estudar e o que aprendeu foi como aluno do Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral, que, ironicamente, foi criado pelo regime militar de 1964.