06/09/21
Julia Chaib, Marianna Holanda e Matheus Teixeira
com/Folha de S.Paulo
blogfolhadosertao.com.br
Ação de Bolsonaro em atos amanhã pode custar apoio parlamentar e solução para Auxílio Brasil
O tom que o presidente Jair Bolsonaro (foto) adotar nas manifestações marcadas para amanhã em São Paulo e em Brasília pode determinar o futuro de suas relações com os demais Poderes e, por conseguinte, sua perspectiva para as eleições de 2022.
Ministros do Supremo Tribunal Federal alertaram Bolsonaro que a negociação da saída para o rombo dos precatórios, que viabilizaria a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, vitrine de campanha, depende de o Executivo cessar os ataques.
No Congresso, líderes dos partidos do centrão, base governista no Legislativo, passaram a considerar seriamente o desembarque em ano eleitoral caso não haja moderação do presidente, cujos ataques à democracia tornaram-se frequentes.
O cálculo das siglas é pragmático: Bolsonaro perde popularidade nas pesquisas e, com o cenário econômico desfavorável, como apontam dados recentes, e a agenda para o tema travada pelo acirramento contra o Judiciário, a recuperação é difícil.
Sair já significaria abrir mão de cargos e maior acesso a emendas. Logo, o rompimento, se houver, virá mais perto da eleição.
brasília Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e dirigentes de partidos políticos condicionam o futuro das relações do governo com os demais Poderes à postura que Jair Bolsonaro adotará nas manifestações de 7 de setembro e nos dias posteriores aos protestos.
De um lado, integrantes da corte já enviaram recados ao mandatário e aos presidentes da Câmara e do Senado de que o avanço das negociações em busca de uma saída para o rombo dos precatórios, o que viabilizaria a reformulação do Bolsa Família, só deve ocorrer se o chefe do Executivo cessar os ataques ao tribunal.
De outro, líderes de siglas do centrão que hoje dão sustentação a Bolsonaro no Legislativo passaram a ver o desembarque do governo no ano que vem quase como inevitável se não houver uma mudança de comportamento do presidente.
O cálculo da cúpula dos partidos aliados é pragmático e eleitoral. Bolsonaro já não está bem nas pesquisas e apresenta popularidade em queda.
Os últimos dados apontam para um cenário desfavorável na economia em 2022. Se o chefe do Executivo insistir em adotar o tom autoritário, a relação entre os Poderes se torna ainda mais tensa, o que pode ter impacto na agenda econômica, mantendo Bolsonaro com baixa popularidade.
O desembarque, nessa hipótese, seria a única saída, na avaliação feita em conversas reservadas por dirigentes partidários.
A ideia das siglas não seria sair já, até porque as legendas que compõem o centrão, como PP, PL, Republicanos, entre outros, têm cargos na máquina federal e prioridade na liberação de emendas. Os dois primeiros, inclusive, ocupam postos no Palácio do Planalto.
Mas a perspectiva desses dirigentes é de abandonar o governo com a proximidade da eleição, caso o clima beligerante e a crise econômica continuem.
Questionado sobre se poderia encampar um pedido de impeachment caso o presidente insista em questionar a realização de eleições do ano que vem, um integrante da cúpula de um dos partidos do centrão considera que nada é impossível.
Do grupo, o que tem a menor chance de deixar o governo no curto prazo é justamente o PP, cujo presidente licenciado, senador Ciro Nogueira (PI), é chefe da Casa Civil.
Até a defesa que os dirigentes do centrão fazem do governo é mais na linha institucional, não do presidente em si.
Um senador da base de Bolsonaro, crítico das decisões do Supremo, disse esperar que o presidente saiba aproveitar o capital político das ruas. Caso contrário, sofrerá “consequências” —retaliações da Corte e dos partidos que o apoiam.
O clima de tensão é o mesmo no STF. Ministros dizem não ver condições de manter diálogo com o governo sobre uma saída para parcelar o pagamento de precatórios, por exemplo, se Bolsonaro insistir em atacar a corte.
A possibilidade de o Supremo ajudar na busca por uma solução para reduzir o rombo de R$ 89 bilhões das dívidas judiciais previstas para o ano que vem surgiu justamente como uma forma de a corte fazer um gesto de pacificação em direção ao Palácio do Planalto.
A alternativa de reduzir o impacto fiscal dos precatórios também contou com auxílio de integrantes do TCU (Tribunal de Contas da União), em uma sinalização de que o tema poderia servir para unir os Poderes e abrir caminho para o distensionamento nas relações.
As manifestações de 7 de setembro, porém, serão decisivas para definir se a corte de fato ajudará o governo a reduzir o rombo dos precatórios.
O cenário ideal para o governo seria que a solução partisse exclusivamente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
A ideia é que o órgão editasse uma resolução para limitar o pagamento de dívidas judiciais em 2022 a R$ 39,9 bilhões. O montante equivale ao valor corrigido do que foi pago de precatórios em 2016, quando foi instituído o teto de gastos. O restante da dívida ficaria para ser quitada no ano seguinte.
Diante dos problemas na relação entre os Poderes, porém, integrantes da corte avisaram ao presidente do STF, Luiz Fux, que uma solução via CNJ teria mais chance de ser derrubada no Supremo por meio de uma ação de alguém prejudicado pelo parcelamento das dívidas judiciais da União.
Assim, Fux voltou a indicar para o Executivo e para o Legislativo a necessidade de o Congresso aprovar uma PEC (Proposta de emenda à Constituição) que delegue ao CNJ uma regulamentação do tema.
Mesmo assim, o presidente do Supremo, que também comanda o Conselho Nacional de Justiça, alertou à equipe econômica sobre a necessidade de o governo construir um ambiente em favor do parcelamento em todo o Supremo, uma vez que pode chegar à corte uma contestação até mesmo em relação à PEC.
Por isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a peregrinar nos gabinetes do Supremo. E foi do ministro Gilmar Mendes que ele ouviu o aviso: caso Bolsonaro não cesse os ataques ao tribunal, será difícil criar o ambiente favorável à solução dos precatórios.
Acho que não há motivo, como venho dizendo, para que se cause espanto de agressão às instituições. O presidente [Bolsonaro] sabe da responsabilidade dele com relação a isso e sabe que é o único a perder se por acaso houver tumulto na manifestação Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara
A analogia feita por integrantes do Judiciário é de que não é inteligente alimentar um “bulldog que segue rosnando” e não dá sinal de paz.
O parcelamento é hoje tratado por Guedes como a saída para viabilizar a reformulação do Bolsa Família. O programa vai virar o Auxílio Brasil, uma das principais vitrines da campanha à reeleição de Bolsonaro.
Mesmo dentro do governo, aliados do presidente acreditam que a negociação com o Supremo não vai prosperar e por isso já falam na alternativa de pagar os precatórios com o entendimento de que eles não estão atrelados ao teto de gastos.
Diante das expectativas dos mundos jurídico e político, ministros do governo seguem em busca de uma solução que possa restabelecer a harmonia entre os Poderes.
Enquanto pedem para Bolsonaro baixar o tom, tentam convencer o Supremo a também fazer alguns recuos.
Um ministro de Bolsonaro disse à Folha que relaxar a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, vista como uma medida autoritária de Alexandre de Moraes, poderia distensionar o ambiente.
Embora discordem do tom usado por Bolsonaro, integrantes do governo que são considerados moderados avaliam que o Supremo tem, sim, extrapolado suas competências e agido com abuso de autoridade.
Esses aliados do mandatário se queixam especialmente de Alexandre de Moraes. Cobram, reservadamente, que os demais ministros tomem providências para abaixar a temperatura internamente.
No Supremo, contudo, o ataque de Bolsonaro aos ministros acabou unindo ministros que outrora eram tratados como “ilhas”.
Apesar dos pedidos de recuo, na última sexta-feira (3), dois movimentos demonstraram que será difícil chegar à trégua. Pela manhã, Bolsonaro disse que as manifestações de 7 de setembro serão um ultimato a ministros do STF.
À tarde, Alexandre de Moraes mandou prender o blogueiro bolsonarista Wellington Macedo, investigado pela corte em inquérito que apura a organização e o financiamento de atos contra as instituições e a democracia. A decisão do ministro atende a um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Neste domingo (5), Bolsonaro voltou a defender as manifestações do 7 de Setembro e incentivou a presença de servidores públicos do Executivo federal.
“Independência está associada à liberdade. Assim sendo, também no escopo dos incisos XV e XVI, do art. 5° da nossa CF [Constituição Federal], a população brasileira tem o direito, caso queira, de ir às ruas e participar dessa nossa data magna em paz e harmonia. O mesmo se aplica a todos os integrantes do Poder Executivo Federal que não estejam de serviço”, escreveu em redes sociais.
Na última quinta (2), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu um recado e afirmou que Bolsonaro sabe que é o único a perder se por acaso houver tumulto na manifestação.
“O presidente sabe da responsabilidade dele com relação a isso e sabe que é o único a perder se por acaso houver tumulto na manifestação”, disse Lira.