Arraes, Agamenon, Tancreto e Getúlio

24/01/21

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*Por Ítalo Rocha Leitão

Ex-governador Miguel Arraes de Alencar

A política brasileira sempre foi pródiga na criação de personagens que entraram para a história do país e ficaram para sempre na memória coletiva da população. Alguns desses personagens jamais serão esquecidos e algumas situações que vivenciaram também. Miguel Arraes, Agamenon Magalhães, Getúlio Vargas, Tancredo neves. Os registros estão em livros ou no folclore político.

Rio de Janeiro, 1926, Governo de Washington Luís. Posse do ministro da Fazenda Getúlio Vargas. Filas enormes para cumprimentá-lo.
A cada desejo de boa sorte, um pedido de emprego ou de liberação de verbas.
Ao final, o último da fila se aproximou e disse ao pé do ouvido de Getúlio que estava ali apenas para cumprimentá-lo e lhe desejar felicidades na nova missão.
Getúlio o puxou pelo braço e perguntou: Você não vai me pedir nada? Eu não vim aqui para pedir nada! E saiu apressado. Getúlio ficou emocionado com o gesto daquele homem, bem vestido, bem penteado e de ótima aparência. E, com os olhos marejados, disse a um assessor que não conseguia esquecer aquela cena. Foi quando o assessor esclareceu tudo: Dr. Getúlio, aquele homem é um maluco e uma das manias dele é ir para a posse de ministros, ficar no último lugar da fila e, na hora do cumprimento, dizer que veio apenas para desejar sucesso ao empossado!

Nos primeiros anos da década de 60, com o Congresso já funcionando em Brasília, o deputado federal Tancredo Neves se dirigia pelos corredores da Câmara para o seu gabinete, acompanhado de assessores, quando percebeu que estava vindo na direção contrária o também deputado José Maria Alckmin. Assim como Tancredo, Alckmin também já era considerado uma raposa política. Tancredo tinha razão para ficar tenso. Alckmin o havia convidado pro seu aniversário e ele não teria ido nem dado satisfações. Quando os dois se encontraram, Tancredo apertou a mão do colega deputado e disse em alto e bom som: Alckmin, eu não fui pro seu aniversário, mas lhe mandei um telegrama desejando felicidades! E Alckmin, que tinha uma astúcia invejável também, não titubeou: E eu já respondi seu telegrama, meu conterrâneo Tancredo! Os assessores dos dois deputados ficaram perplexos porque essa troca de telegramas nunca existiu.

No começo dos anos 50, o governador Agamenon Magalhães se deparou com pedido inusitado de audiência. Um homem dizia aos assessores que só deixaria o Palácio do Campo das Princesas depois que fosse recebido por ele. Pelo nome, Agamenon identificou quem era. Tratava-se do maior traíra. Já havia trocado de grupo várias vezes e sempre contra o governo. Mas, Agamenon, com sua verve política e seu sangue sertanejo, decidiu receber o renegado. Ao ser aberta a porta do gabinete, o governador tomou um susto: o homem entrou de joelhos e se postou na frente da mesa de trabalho de Agamenon.
Governador, venho aqui lhe dizer que se o senhor atender o pedido mais importante da minha vida, jurarei fidelidade eterna ao senhor! A primeira providência de Agamenon foi pedir que o visitante se sentasse. Entre soluços e choros, o homem lhe pediu um emprego pro filho que acabara de se formar em agronomia. Para encurtar logo aquela cena meio fora do comum, Agamenon puxou um cartão de visitas e escreveu um bilhete indicando ao secretário de Agricultura a colocação do jovem agrônomo. Matreiro que só, Agamenon tinha um código interno com os secretários. Ao escrever “faça” um favor sem o cedilha, ele queria dizer “faca”, ou seja corte! Seis meses depois daquela fatídica audiência, o governador foi visitar um município sertanejo e avistou o pai do agrônomo vindo em sua direção, todo contente e sorridente. Agamenon tentou se esquivar, mas não conseguiu.

O homem chegou perto de Agamenon e foi logo dizendo: Governador, não tenho palavras pra lhe agradecer. O meu filho se deu tão bem na secretaria que já assumiu um cargo de chefia. Governador, o meu menino é tão inteligente que, quando leu o cartão do senhor, percebeu que estava faltando um cedilha e ele colocou esse cedilha porque um governador não pode escrever errado um bilhete pra ninguém!

O ano era 1998. Arraes tentava a reeleição contra Jarbas Vasconcelos em desvantagem. Os assessores apontavam para a popular “fadiga de material” porque o governador almejava o quarto mandato. A solução poderia estar em Duda Mendonça, o publicitário mais disputado do mercado, naquela época. Tinha fama de ganhar tudo quanto era eleição. Arraes recebeu Duda Mendonça com um afago contido, como era seu estilo. Os assessores relataram para o baiano a difícil situação do estado e da campanha. E Arraes, calado, só ouvindo. Ao final, Duda Mendonça olhou pro governador e disse: Eu não faço milagre ! Arraes, com seu olhar certeiro e profundo, ficou cara a cara com o marqueteiro e respondeu: Eu pensei que fizesse !!!
Duda Mendonça, que entrara naquela sala se sentindo o rei dos reis, saiu com o andar meio desajeitado.

Ítalo Rocha Leitão é jornalista da TV Globo

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