18/08/24
Da Folhapress – São Paulo
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“Minha concessão de TV pertence ao governo, e eu jamais me colocaria contra o meu patrão”, disse o apresentador
Em 6 de novembro de 2018, dez dias depois de Jair Bolsonaro vencer as eleições, Silvio Santos, morto aos 93 anos neste sábado (17), mandou o SBT exibir mensagens de cunho patriótico do tempo da ditadura militar, entre as quais o “ame-o ou deixe-o”, popularizada durante o governo de Emílio Garrastazu Médici. Diante dos protestos, mandou retirá-las do ar no mesmo dia.
Quatro dias após esse incidente, Bolsonaro surgiu ao vivo, por telefone, numa transmissão comandada por Silvio, no SBT. Era a edição do Teleton, a ação anual em que a emissora arrecada recursos para a Associação de Assistência à Criança Deficiente.
Feliz com o resultado das urnas, Silvio chamou Bolsonaro de “um carioca muito simpático, risonho, brincalhão” e pediu palmas ao presidente. Na sequência, elogiou a escolha do então juiz Sergio Moro como ministro da Justiça e prognosticou que Bolsonaro governaria por dois mandatos e seria sucedido por Moro por tempo igual.
“Eu acho que você pode ficar oito anos, depois passando para Moro e ele fica mais oito. O Brasil vai ter 16 anos de homens com vontade de fazer o país caminhar. Não vou viver até lá, é claro, mas, se depender da minha vontade e das pessoas que querem um Brasil para frente, oito anos com Bolsonaro e oito anos com Moro vão ser 16 anos de um bom caminho. Peço a Deus que isso se realize”, concluiu o apresentador, morto aos 93 anos, cerca de quatro anos antes de se afastar das telas.
É verdade que o dono do SBT bajulou todos os ocupantes do Palácio do Planalto desde a ditadura Médici, de 1969 a 1974, e nunca escondeu que seu objetivo era esse mesmo. Por 16 anos, de 1981 a 1997, exibiu aos domingos o quadro “A Semana do Presidente”, divulgando a agenda de diversos mandatários, de João Figueiredo a Fernando Henrique Cardoso.
Numa célebre declaração, em 1985, durante o governo de José Sarney, explicou : “Eu sou concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”.
Mas as relações de Silvio com o governo Bolsonaro expuseram um envolvimento e entusiasmo diferentes. Em abril de 2020, por exemplo, a revista Veja noticiou que o dono do SBT indicou o nome de um médico para substituir Luiz Henrique Mandetta, no Ministério da Saúde. Em nota, o SBT negou.
“A minha concessão de televisão pertence ao governo federal e eu jamais me colocaria contra qualquer decisão do meu ‘patrão’, que é o dono da minha concessão”, disse Silvio na ocasião. Nunca acreditei que um empregado ficasse contra o dono. Ou aceita a opinião do chefe, ou arranja outro emprego.”
De forma indireta, a observação sinalizou também uma defesa da decisão de Bolsonaro de substituir Mandetta por pensar diferente do chefe.
Em maio do mesmo ano, Silvio mandou cancelar a exibição de uma edição do “SBT Brasil”. Nos seus 15 anos de existência, o telejornal nunca havia deixado de ir ao ar. O dono da emissora teria ouvido reclamações de que a edição da véspera desagradou ao governo. O tema principal do telejornal, como o de todas as emissoras naquele dia, foi a divulgação do infame vídeo de uma reunião ministerial ocorrida em 22 de abril.
Pouco tempo depois, em junho, Bolsonaro recriou o Ministério das Telecomunicações e nomeou o então deputado federal Fabio Faria para o comando da pasta. Faria é casado com Patricia Abravanel desde 2017. Eles têm três filhos, um deles batizado como Senor, em homenagem a Silvio.
Ao anunciar a escolha de Faria, Bolsonaro disse: “Ele não é profissional do setor, mas tem conhecimento até pela vida que ele tem junto à família de Silvio Santos.” Ao noticiar a indicação, o jornalismo do SBT omitiu a relação de Faria com a família Abravanel.
Silvio recebeu Bolsonaro em sua casa em mais de uma ocasião e esteve com o presidente, em Brasília, em diferentes solenidades. “Eu simpatizo com você. Por quê? Não sei!”, disse Silvio, ao ser homenageado com um selo comemorativo, lançado por ocasião dos seus 90 anos. “Só espero que você não mude nada. Continue assim como está. Não precisa fazer discurso nem nada. O povo gosta de você como você é.”
Dados oficiais sobre os gastos do governo com publicidade indicam que a simpatia de Silvio por Bolsonaro foi recíproca. Como a Folha mostrou em março de 2024, o Grupo Globo, líder de audiência há décadas no Brasil, chegou a receber menos verba do que a Record e o SBT nos primeiros anos de Bolsonaro na Presidência.
Com o fim do governo Bolsonaro e início do governo Lula, o SBT voltou ao seu alinhamento tradicional. Em julho de 2023, sete meses após a posse, o presidente Lula recebeu Daniela Beyruti e Patricia Abravanel em seu gabinete. Durante o encontro, Silvio Santos telefonou para Lula. Tratou-se, segundo o SBT, de uma “visita institucional”. No dia seguinte, o “SBT Brasil” exibiu uma entrevista exclusiva com Lula. Em março de 2024, o presidente voltou a falar com exclusividade à emissora de Silvio Santos.