Justiça manda Prefeitura de Serrita “abster-se de interferir nos aspectos religiosos da Missa do Vaqueiro”

11/07/23

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Na decisão  favorável à Fundação Padre João Câncio  (representada pela viúva Helena Câncio) o juiz Bruno Jader Silva Campos determinou que a Prefeitura de Serrita ( na pessoa do prefeito Aleudo Benedito)  conceda livre acesso    (credenciais) a cinco  pessoas  da família Câncio ao Parque estadual do Vaqueiro.

O magistrado também  definiu na sentença :

Determino que a parte requerida (Prefeitura)  se abstenha de interferir nos aspectos religiosos da realização da celebração da 53ª Missa do Vaqueiro, podendo fazê-lo apenas nos termos  estruturais preconizados no Convênio de ID 136522873, não podendo imiscuir-se em  eventuais tratativas entre a Fundação Padre João Câncio e a Paróquia Nossa Senhora da Conceição;

–  Determino que a parte requerida (Prefeiura)  permita livre acesso às dependências do parque, inclusive com emissão de 5 (cinco) credenciais que possibilitem adentrar estacionamento  interno e áreas privativas

– As determinações têm vigência a partir da intimação, resta arbitrada multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil  reais) para a hipótese de descumprimento do provimento mandamental expedido, além de eventuais  consequências processuais, devendo haver intimação pessoal do gestor municipal, para cumprimento das  obrigações, sob pena de responsabilização pessoal pelo pagamento da multa. Certifique-se caso não seja  possível localizar o Prefeito, perfectibilizando-se a intimação através de qualquer meio célere (inclusive  telefone ou Whatsapp).

 

 

Segue a sentença, na íntegra:

 

             “Na exordial aduz características culturais e históricas do evento “Missa do Vaqueiro”, bem como destaca as peculiaridades no caso concreto envolvendo o Município de Serrita. Formulou pleito de tutela de urgência para “2.1 Obrigar a Prefeitura de Serrita à abster-se de toda e qualquer interferência quando da realização da celebração, da Missa do Vaqueiro, à ocorrer no domingo, 23 de julho de 2023, sob pena de multa diária, na pessoa de seu gestor, à ser imposta por este MM. Juízo; e 2.2 No tocante à concessão de livre acesso da FUNDAÇÃO PADRE JOÃO CÂNCIO, que leva o nome do parque, nas dependências do mesmo, concedendo à esta, número não inferior à 10 (dez) credenciais, que lhe permitam se fazer presente, inclusive nas áreas privativas, como backstage e estacionamento interno; 2.3 Livre acesso à casa de taipa, a qual fora construída pela Fundação, ainda no ano 2000, antes mesmo de sua formalização, inclusive durante o dia e em todos os dias de evento, para viabilizar a organização de exposição de artes e acolhimento dos artesãos em couro, os quais estarão com identificação própria, que necessitam da liberação de acesso com seus veículos” (ID 134215093). Posteriormente, foram incluídos pleitos adicionais.

                Designada audiência conciliatória, não foi possível a composição amigável entre as partes (ID 136198950).
Instado a se manifestar a respeito do pleito liminar, o requerido, preliminarmente, tratou que a competência para celebração da missa do vaqueiro é privativa da igreja católica, através da paróquia local. Em seguida,impugnou documentos trazidos aos autos pela parte autora, subscritos pela diocese de Petrolina, argumentando, neste ponto, que não conferem à parte demandante direitos relativos à celebração da missa do vaqueiro. Ainda, acerca da questão sob enfoque, tratou da necessidade de que haja ratificação, pela atual detentora da paróquia local (diocese de Salgueiro), dos docs. mencionados expedidos pela diocese de Petrolina.

Ademais, no que se refere ao convênio existente entre o Município e a paróquia local, tratou que, de igual modo, não concede à parte autora direitos de organização/celebração da missa do vaqueiro, visto que,através de tal documento o Município apenas se obrigou a ceder a estrutura e local para realização da missa do vaqueiro. Sobre os pedidos de concessão de credenciais, basicamente, fora aduzido que “A FPJC não possui qualquer papel frente às comemorações profanas”.

Acrescentou o Município, que, por meio de decisão colegiada do TCE/PE, a fundação autora foi condenada à pena de ressarcimento ao erário público em quantia superior a R$ 75.000 (setenta e cinco mil reais).Diante disso, afirma que a instituição não se afigura como hábil ao recebimento de vantagens oriundas dos cofres públicos, e que a destinação de recursos à instituição autora, sob tal condição, configuraria ato de improbidade administrativa (juntou cópia da decisão do TCE/PE).

Por fim, aduziu que nada há a ser deferido, pelo Município, em favor da FPJC, sendo necessário, portanto, que a parte autora, caso deseje, busque o desempenho de atividades ligadas à organização/celebração da missa do vaqueiro, junto à paróquia local, que é quem detém competência para fins de celebração da missa, pugnando que se proceda à intimação da paróquia para integrar a lide, manifestando-se sobre o pedido liminar, haja vista a que se apresenta na condição de litisconsorte passiva necessária no feito em discussão. A parte autora apresentou petição no ID 137223687, se insurgindo quanto à manifestação do requerido e repisando os termos da exordial.
É o relatório. Passo a deliberar.

   Ab initio, insta salientar que, malgrado exista convênio entre o Município de Serrita e a Paróquia Nossa Senhora da Conceição, a presença desta no polo passivo da presente lide não é imprescindível, tendo em  vista que os pleitos cingem-se à postura do Município em seara cuja atuação legal é inconteste, em razão de ato do Estado de Pernambuco através de cessão regular com vigência decenal. A existência de convênio, inclusive, de forma expressa, mantém o Município com diversas atribuições na realização do evento, cuja alocação dá-se no mesmo parque em que ocorrem as celebrações festivas concernentes à Missa do Vaqueiro. Quanto à tutela provisória antecipada, nos termos do art. 300, caput do CPC, tem cabimento quando presentes os seguintes requisitos:

1) a probabilidade do direito, compreendida como a plausibilidade do direito alegado, em cognição superficial, a partir dos elementos de prova apresentados; 2) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, caso a prestação jurisdicional não seja concedida de imediato.

No caso concreto, conforme dito alhures, se trata de evento concernente à Missa do Vaqueiro.Com supedâneo na Lei Estadual nº 13.746/09, a Festa do Vaqueiro é considerada Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco (ID 134304889). Com fulcro no art. 1º da mencionada Lei, “fica considerada Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de  Pernambuco a Festa do Vaqueiro, constituída de apresentações de vaquejada, banda de pífaros, cantorias, repentistas, aboiadores e outras atividades folclóricas, além da feira de artesanato, celebrada anualmente no terceiro domingo do mês de julho, no município de Serrita”.  É inequívoco que se trata de bem cultural de enorme relevância para o Município de Serrita e para o Estado de Pernambuco, razão porque todos os esforços devem ser envidados para perenização dessa bela história serritense.

No presente ano será realizada a 53ª Missa do Vaqueiro, o que demonstra que há décadas se tenta preservar tal bem imaterial.  Quanto à relevância histórica de Padre João Câncio na fundação da Missa do Vaqueiro – no contexto do óbito de Raimundo Jacó, fato imortalizado em canção entoada por Luiz Gonzaga – , avultam-se elementos  no sentido de que a atuação do fundador é indissociável do bem cultural serritense. A documentação colacionada robustece a necessidade de se preservar a memória cultural de Serrita, e propiciar a atuação no evento de todos aqueles que de certa forma contribuíram para o engrandecimento da cultura serritense no que concerne à história de Raimundo Jacó amplamente homenageada ao longo das décadas (ID 134366518).

O caput do art. 215 da Constituição Federal é peremptório ao afirmar que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. O §1º do mencionado dispositivo aduz que “o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.  A Constituição do Estado de Pernambuco traz à tona, em seu art. 5º, §§ 3º e 4º o disposto infra:
Art. 5º O Estado exerce em seu território todos os poderes que explícita ou implicitamente não lhe sejam vedados pela Constituição da República.

Parágrafo único. É competência comum do Estado e dos Municípios:

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos, e conservar o patrimônio público; IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural; V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; Sendo assim, é inequívoco que devem ser envidados todos os esforços para se manter vívido nas mentes serritenses o arcabouço histórico-cultural da Missa do Vaqueiro, em seu aspecto mais amplo possível, com o necessário respeito à atuação pretérita do Padre João Câncio.
Não é permitido que o gestor municipal, ao seu livre alvedrio, crie óbices à perenização da cultura serritense. Gestões municipais, com seus respectivos mandatos, têm tempo determinado de duração; ao contrário da cultura, que precisa pretender a eternidade. Ou seja, as memórias de Raimundo Jacó e da Missa do Vaqueiro, no contexto histórico-cultural da celebração primeva do Padre João Câncio, precisam perenizar ultrapassando gerações, para continuar colocando em destaque o povo serritense no cenário cultural pernambucano e brasileiro.

É indubitável, repita-se, que todos os esforços são necessários para perenizar esta bela história serritense. Nesse sentido, todos que integram a sociedade de Serrita, em todas as esferas de Poder, em comunhão deesforços, precisam convergir e não criar embaraços à boa realização do evento cultural-festivo-religioso. Os pleitos formulados em sede liminar, que tenham esse desiderato, precisam ser deferidos, salvo se houver exigência financeira com necessidade de prestação de contas, ou se houver desvio de interesse na amplitude cultural do pedido. Nesse sentido, os itens 2.1, 2.2 e 2.3 da exordial (ID 134215094), por dizerem respeito à postura da Prefeitura Municipal no sentido de preservar aspecto cultural serritense, merecem ser deferidos.

Por outro lado, insta salientar que pleitos liminares do ID 134366518 devem ser indeferidos. Não há que se falar em imposição de celebração de TAC pelo Ministério Público, pois diz respeito à autonomia do respectivo órgão, devendo perfectibilizá-lo apenas se o próprio Parquet vislumbrar necessidade e utilidade no caso concreto. Tampouco há que se falar em imposição de escolta policial à demandante, pois a segurança pública deverá operacionalizar consoante diretrizes do 8º BPM, que já tem a postura de maximizar o número de agentes em eventos como o deste jaez.

Para o deferimento dos itens 2.1, 2.2 e 2.3 da exordial (ID 134215094) é despicienda a verificação dos aspectos formais da Fundação trazidos à tona no ID 136522874, pois não há imposição de transferência de recursos do Município para a Fundação. Caso se pretenda repelir a atuação da Fundação nos aspectos culturais de Serrita é necessário que se proceda à demonstração de que as memórias de Raimundo Jacó e Padre João Câncio serão preservadas mesmo sem a presença da Fundação, ou que se proceda à extinção formal da Fundação (art. 69 do Código Civil).

Também não há que se falar em ofensa ao convênio de ID 136522873, pois os pleitos liminares dizem respeito à imposição de obrigação de não-fazer do Município quanto à celebração da Missa do Vaqueiro (2.1), livre acesso às dependências do Parque (2.2), e livre acesso à Casa de Taipa (2.3). Ressalte-se, contudo, que a parte autora faz pleito concernente ao acesso ao backstage. Ora, tal ambiente diz respeito aos músicos que participarão do evento festivo que ocorre no Parque. Não constam informações a  respeito de contratações de músicos através da Fundação, consoante ocorreu em edições pretéritas da Missa do Vaqueiro. Malgrado conste, no art. 4º, alínea “a” do Estatuto social, que a Fundação tem por objetivo promover o desenvolvimento da cultura através da música (ID 134302826), insta salientar que não cabe exclusivamente a esta, também cabendo ao Município promovê-la. Sendo assim, diante da inexistência de contratação de músicos diretamente pela Fundação, não houve demonstração da necessidade de acesso da Fundação com grande número de credenciais, sendo plausível o número de 5 (cinco), suficiente para eventuais gravações videográficas.

Ressalte-se que a vedação à concessão da antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, no caso em tela, é medida desproporcional, sendo, pois, inconstitucional por desrespeitar o devido processo legal em sua acepção material.

Sendo assim, estão presentes os requisitos do art. 300 do CPC, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano. O primeiro requisito se extrai da documentação acostada aos autos pela autora. Por sua vez, o perigo de dano também resta claro, tendo em vista os prejuízos acarretados com a eventual insuficiência da demonstração cultural a respeito dos fatos históricos de Raimundo Jacó e a primeira missa celebrada pelo Padre João Câncio.

Destarte, constato que a concessão parcial da liminar quanto aos itens 2.1, 2.2 e 2.3 da exordial (ID 134215094), é medida que se impõe.

Isto posto, DEFIRO PARCIALMENTE OS PEDIDOS DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, NA MODALIDADE TUTELA DE URGÊNCIA, e nesse sentido:

a) Determino que a parte requerida se abstenha de interferir nos aspectos religiosos da
realização da celebração da 53ª Missa do Vaqueiro, podendo fazê-lo apenas nos termos
estruturais preconizados no Convênio de ID 136522873, não podendo imiscuir-se em
eventuais tratativas entre a Fundação Padre João Câncio e a Paróquia Nossa Senhora da
Conceição;

b) Determino que a parte requerida permita livre acesso às dependências do parque,inclusive com emissão de 5 (cinco) credenciais que possibilitem adentrar estacionamento interno e áreas privativas (exempli gratia: backstage).

c) Determino que a parte requerida conceda livre acesso à casa de taipa, inclusive durante o dia e em todos os dias de evento, para viabilizar a organização de exposição de artes e acolhimento dos artesãos em couro, os quais estarão com identificação própria, que necessitam da liberação de acesso com seus veículos.

As determinações têm vigência a partir da intimação, resta arbitrada multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil  reais) para a hipótese de descumprimento do provimento mandamental expedido, além de eventuais  consequências processuais, devendo haver intimação pessoal do gestor municipal, para cumprimento das  obrigações, sob pena de responsabilização pessoal pelo pagamento da multa. Certifique-se caso não seja  possível localizar o Prefeito, perfectibilizando-se a intimação através de qualquer meio célere (inclusive  telefone ou Whatsapp).

Intime(m)-se com urgência. Dê-se ciência ao Ministério Público. Intime-se o requerido para que apresente contestação, no prazo legal.

Após, dê-se vista ao Ministério Público.

Tudo feito, intimem-se as partes para informar, no prazo de 5 (cinco) dias, se ainda pretendem produzir provas indicando-as e especificando sua finalidade, não sendo admitido pedido genérico, sob pena de indeferimento, advertindo-as de que o silêncio será interpretado como concordância com o julgamento do feito no estado em que se encontra.

Caso haja requerimento de provas, autos conclusos para fins do art. 357 do CPC. Se o Ministério Público e as partes não pretenderem produção adicional de provas, autos conclusos para sentença. “

Expedientes Necessários.
Serrita/PE, data da assinatura eletrônica.

Bruno Jader Silva Campos
Juiz de Direito

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