25/06/22
Tarsila Castro/Folhape
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Às 15h, após as homenagens no velório,inclusive da Tribo Xucuru, o corpo foi levado até a sala de cremação para uma cerimônia reservada à família
“Fomos pegos de surpresa quando recebemos a notícia do assassinato de Dom e Bruno. De lá para cá, se desestrutura todo um projeto de vida, o mesmo trabalhava junto com os povos indígenas, defendendo a Amazônia, e principalmente os nossos irmãos isolados. Aqui em Pernambuco nós não poderíamos de forma alguma não estarmos presente nesse dia de hoje, onde viemos aqui prestigiar o nosso guerreiro. Bruno hoje representa todos nós”, acrescentou o Cacique.
A Tribo está em ritual desde as 4h de quinta-feira (23).
“Desde às 4h estamos em ritual, pedindo força aos nossos encantamentos, porque entendemos que Bruno hoje se torna um encantado. Bruno hoje retorna para o solo sagrado e que ele volta para nos alimentarmos enquanto espírito e darmos continuidade a essa grandiosa luta em defesa da vida, porque defender a terra, defender a Amazônia, defender a mata sagrada, defender a vida, o meio ambiente, então é isso que nós fazemos, assim como tantos guerreiros e guerreiras já se foram e tombaram em virtude dessa luta, desse desgoverno que aí está, que não nos representa”, destacou o Cacique Marcos.
No velório, a cunhada de Bruno, Thany Rufino, leu uma mensagem da família à imprensa. Emocionada, Thany representou os familiares neste momento de luto.
Cunhada de Bruno, Thany Rufino, leu uma mensagem da família à imprensa. Foto: Paullo Allmeida/ Folha de Pernambuco
“A família está se despedindo de Bruno com o coração cheio de gratidão por ter tido ele em nossas vidas. A vida de Bruno foi de coragem, dedicação e fidelidade à causa dos indígenas. Bruno tinha uma missão e iluminou sua causa, levou ela para o mundo. Neste momento e durante a última semana, indígenas de todo o país fizeram seus rituais de passagem e homenagearam Bruno Pereira. Agradecemos a todos. Aos familiares, aos amigos, aos indígenas e a todas as pessoas que oraram, buscaram, trabalharam, representaram Bruno, somos eternamentes gratos. Que Deus em sua imensidão possa retribuir a vocês e às suas famílias. Agora estamos dedicados ao amor, ao perdão e à oração. Obrigada”, disse a mensagem.
O colega de Bruno, Manoel Santos, de 62 anos, pede justiça pela morte do indigenista e diz que ele deixa um legado para as gerações futuras.
“Ele deixa um legado fantástico, ele deixa o ensinamento do que é o verdadeiro amor pelo próximo, não importa quem seja. É o que o nosso povo precisa verdadeiramente exercer, o amor, não interessa a cor, a etnia, a origem, não importa, somos todos cidadãos e humanos e graças a Deus somos diferentes”, destacou.
Percorrendo mais de 600 km, a etnia Pankararu também esteve presente na cerimônia para homenagear Bruno. A aldeia fica no Sertão pernambucano, e quatro indígenas foram até o local representando os mais de 10 mil que pertencem à etnia. Para o Cacique Marcelo Pankararu, Bruno foi plantado e será inspiração para vários outros que lutam em defesa dos povos indígenas do Brasil.
“Quando Bruno faz uma defesa lá no Vale do Javari, ele está fazendo uma defesa que vai repercutir e nos ajudar também em Pernambuco. Pernambuco sofre retaliação, sofre perseguição. Nós temos mais de 12 etnias no estado de Pernambuco e às vezes até desconhecidas. Pernambuco hoje tem um irmão que está sendo plantado, que vai surgir no vento, na terra, ele vai nascer para inspirar vários outros que vão vir em defesa dos povos do Brasil. Não é difícil falar sobre o Bruno, sobre o Dom, sobre Chico Mendes, Xicão Xukuru que foi assassinado, não é difícil falar dos defensores das florestas, das matas, dos índios, não é díficil”, destacou.
Momentos antes da cremação, um ritual foi realizado por pajés da etnia Karaxuwanassu, com cantos de despedida. Sob o caixão, estavam as bandeiras de Pernambuco e do Sport Club do Recife, duas de suas maiores paixões. Durante o trajeto até a sala de cremação, amigos jogavam flores e davam o último adeus ao indigenista. Além disso, havia uma caixa de som onde foi reproduzido um áudio em que Bruno cantava uma canção indígena. O corpo foi cremado por volta das 15h30.
O caso
O indigenista foi morto a tiros aos 41 anos junto com o jornalista britânico Dom Phillips, enquanto iam de barco para a cidade de Atalaia do Norte, oeste do estado do Amazonas, na região da reserva indígena do Vale do Javari, durante uma pesquisa para um livro sobre a preservação ambiental da floresta.
Eles foram vistos pela última vez em 5 de junho, e os restos mortais foram encontrados no dia 15 deste mês. Porém, as identidades do indigenista e do jornalista só foram confirmadas entre os dias 17 e 18.
Investigações
Segundo a Polícia Federal, os dois foram mortos por pescadores ilegais quando passavam de barco pela reserva do Vale do Javari. Bruno Pereira foi morto com dois tiros na região abdominal e torácica e um na cabeça. Dom Phillips levou um tiro no abdômen/tórax. A munição usada no assassinato foi típica de caça.
Os investigadores apuram a participação de oito pessoas envolvidas no assassinato de Bruno e Dom. Três dos suspeitos estão presos e cinco foram identificados por terem participado da ocultação dos cadáveres. Os presos são Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado – que confessou o crime -, Jefferson da Silva Lima e Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos.
Nesta quinta-feira (23), a Polícia Civil de São Paulo anunciou a prisão de mais um suspeito. Trata-se de Gabriel Pereira Dantas, que se apresentou espontaneamente a policiais no centro da capital paulista. O suspeito disse que foi o responsável por pilotar o barco que Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, usou para cometer os crimes.
Bruno Pereira
Nascido no Recife, Bruno Pereira deixou Pernambuco, em meados dos anos 2000, para seguir o sonho de trabalhar na Amazônia. Foi servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (Funai), e reconhecidamente defensor das causas indígenas. Casado com a antropóloga Beatriz Matos, o indigenista deixa três filhos.
Ele estava atuando como colaborador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), uma entidade mantida pelos próprios indígenas da região, que tinha como foco impedir a invasão da reserva por pescadores, caçadores e narcotraficantes.