20/06/22
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Por Ricardo Leitão +
Após dias terríveis, quando foi forçado a digerir quilos de ódio fibroso, Jair Bolsonaro por fim aliviou seu cérebro e seus intestinos. Acusou o Superior Tribunal Federal (STF) de produzir uma crise institucional; afrontou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seus ministros, tratando alguns deles como “canalhas”; voltou a atacar o sistema eleitoral brasileiro e a urna eletrônica; colocou em dúvida a realização da votação em outubro e reiterou que, quando necessário, sempre terá a lealdade das Forças Armadas.
Com mudança de ênfase e de local, tudo isso Sua Excelência já afirmara antes. A novidade agora é a repetição cada vez maior das ameaças e das afrontas, como se fosse para produzir um fogo de artilharia pesada, abrindo espaço para um avanço mais agudo. A incursão pode aumentar a tensão da conjuntura porque ninguém reage aos anúncios golpistas de Bolsonaro – à exceção dos ministros do TSE, alçados à condição de escudos da democracia.
É pouco. A articulação golpista do bolsonarismo é um projeto de longo prazo, tendo como primeiras iniciativas a fragilização da urna eletrônica. Ainda no final de 2019, o ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, levou um técnico em informática para conversar com Sua Excelência sobre acesso ilegal às urnas. Pouco depois Bolsonaro começou a defender o voto impresso, com o apoio de suas redes sociais. Em seguida um perito da Polícia Federal foi acionado para investigar casos de vazamento em sistemas eletrônicos de votação, no Brasil e no exterior.
Análise da segurança das urnas eletrônicas é atribuição do TSE, que a faz rotineiramente, antes de cada eleição, na presença de especialistas e representantes dos partidos políticos. As urnas estão em uso desde 1996 e nunca foi constatado nenhum problema em seu funcionamento. Por outro lado, projeto de lei bolsonarista, adotando o voto impresso na eleição deste ano, foi derrotado na Câmara dos Deputados – o que não impede que Bolsonaro continue a defender a ideia. Para ele, a única maneira de impedir a fraude no voto eletrônico – o que é, comprovadamente, uma mentira.
Há interpretações para a reescalada golpista de Sua Excelência. Conta com mais adeptos a que sugere estar Bolsonaro convencido de que não irá se reeleger em uma disputa democrática com qualquer um de seus adversários. A alternativa que lhe resta seria a do golpe de Estado, antes de 2 de outubro – dia da eleição – ou depois, caso derrotado. Os que sustentam essa alternativa argumentam que, a quatro meses da eleição, enfrentando uma rejeição recorde, ele não tem mais condições de superar o petista Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal oponente, em meio a uma crise social, econômica e política que gerou ou agravou.
Jair Bolsonaro está diante de uma escolha dificílima, sabendo que não pode ficar sem mandato – a contingência o deixaria sem imunidade política, o que poderia levá-lo à prisão. Sobreviver significaria golpear? Quem estaria de seu lado? As Forças Armadas, os companheiros de caserna, estariam do seu lado?
O comportamento do Centrão – base conservadora bolsonarista na Câmara dos Deputados – é um bom termômetro. Seus líderes já informaram ao Palácio do Planalto que continuam querendo cargos e verbas públicas, não ataques à Constituição. Mas há dúvidas sobre a reação dos líderes militares. O ministro da Defesa e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica foram nomeados por Sua Excelência e, até agora, não se opuseram à sua reescalada autoritária.
No próximo Sete de Setembro, às vésperas da eleição de 2 de outubro, a democracia será testada. Sua Excelência pretende promover, nas principais cidades do País, grandes manifestações em seu apoio. A oposição também irá às ruas. Bolsonaro nunca falou em eleições pacíficas, sempre em “eleições conturbadas”. Sete de Setembro de 2022 pode sinalizar o que seria o futuro do Brasil.