A moda ‘nordester’ das Marias Bonitas às praias

03/02/23

Cajueira

blogfolhadosertao.com.br

Elogios dispensáveis e fetiches sobre o Brasil profundo

Eita que saudade!

Aqui é Mariama, foliã pernambucana contando os dias para o carnaval. É bom demais voltar a falar contigo. Tô doida pra contar as novidades da Cajueira. A primeira delas é que, este ano, vamos abrir mais espaços para outras vozes nordestinas na newsletter.

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Nossa primeira edição do ano tá chique toda, com uma reflexão da jornalista cearense Beatriz Jucá sobre o Nordeste que está na moda. Afinal, quais os limites entre a valorização e a fetichização de destinos? Elogios também podem ser formas de opressão? Se você é de outra região, vale ler antes de programar sua próxima viagem aos estados nordestinos ou elogiar um sotaque.

Sirva-se!


A moda nordester das Marias Bonitas ao turismo

Por Beatriz Jucá*

Do turismo às frases motivacionais em realities shows, o Nordeste está na moda. Mas, calma! Pelo visto ainda não chegou o tempo de colocar as geografias no seu devido lugar e exaltar algum espaço para a diversidade dos nove estados nordestinos entrando, enfim, na pauta do eixo. A moda nem é ser nordestino, é ter ancestrais made in Nordeste. 

Janeiro virou, e o Big Brother Brasil estreou uma edição com recorde de “nordestinos”. Eram seis participantes no elenco, com gente de Pernambuco, da Paraíba, da Bahia, de Sergipe, do Rio Grande do Norte e de Alagoas. Pensei: um festival de sotaques em plena Globo. Vai dar bom.

Eis que tal dia a maquiadora potiguar Marília estava chorosa e, para encorajá-la, o aliado Fred Nicácio bradou: “Você tem sangue de Maria Bonita! Você é uma mulher empoderada! Sangue de Maria Bonita!”. Para consolar a amiga, Fred evocou uma de nossas mais renomadas ancestrais e todo o estereótipo de força e coragem que acompanha o nordestino retratado de Euclides da Cunha ao cangaço. Afinal, somos, antes de tudo, uns fortes. E não se falou mais de outra coisa.

A referência precisou ser explicada em muitas matérias nos portais, com direito a todos os golpes de SEO (otimização de busca) possíveis para surfar nesta audiência. “Saiba quem foi Maria Bonita”, “O que é sangue de Maria Bonita”, “Veja livros para entender a história da cangaceira mais falada no BBB” e por aí vai… Até a cantora Anitta entrou na jogada ao postar uma foto do look feito pelo artesão cearense Espedito Seleiro e usado por ela em um show no Recife com a frase motivacional de Fred Nicácio na legenda. Haja matéria na web exaltando o sangue de Maria Bonita que, segundo dizem, corre nas nossas veias.

Mas é início do ano, tempo de férias, e a moda nordester, que já se espalha entre a classe média descolada de São Paulo há alguns anos, também está bem aportada no turismo. Não vamos generalizar que tem muita gente querendo entender as complexidades dos nove estados nordestinos, mas vamos falar daquela peculiar parcela sudestina que costuma romantizar o Nordeste e colocá-lo na prateleira entre o elogio desprezível e o fetiche.

Sabe a turma que gosta de falar como o Nordeste carrega o país nas costas a cada eleição? Aquela que, depois de viajar por todos os países europeus possíveis, agora resolveu criticar o turismo internacional para se conectar com as raízes do tal do “Brasil profundo”?

Estamos falando dos eternos apaixonados pela mística da energia da Bahia. Sim, porque não importa se o turista está em Salvador, Moreré ou na Chapada Diamantina. Tudo é Bahia, quando não é um grande Nordeste. “É como se a Bahia fosse um grande carregador USB universal”, resume Joana Oliveira, jornalista soteropolitana. O que não falta é turista tirando férias para se recarregar com a mística esotérica baiana.

A moda agora é viajar para o Nordeste “exótico”, é deixar as grandes capitais para se embrenhar pelo interior. No Instagram, do litoral ao agreste e à caatinga, tudo pode virar apenas um grande sertão. Duvida? Pois te conto que uma conhecida exaltou o sertão em uma longa legenda que acompanhava a imagem de um jumento na praia de Jericoacoara, hoje totalmente abraçada pelo turismo internacional no litoral oeste do Ceará.

Na outra ponta do Estado, no Cariri, conhecidos comentam perceberem que a região vem atraindo cada vez mais a turma do eixo Rio-São Paulo, interessada em conhecer especialmente as culturas tradicionais, como o reisado. Que venha mais gente valorizar essa riqueza! São muito bem-vindos.Ninguém quer dividir o Brasil.

O nordestino faz parte do país, sempre fez. Só quer mesmo sair do fetiche, do estereótipo. Dos “elogios” feitos no Sudeste que soam como microviolências. Só quer mesmo ser contratado com dignidade, sem ser tachado de jeca, grosso ou mal-educado. Só quer mesmo ter sua complexa história respeitada.

Que o país saiba que a pobreza da região não é biológica, mas histórica e política. E que os nove estados formam territórios heterogêneos e cheios de belezas, mas não trabalhamos necessariamente na praia com uma caipirinha na mão. Venha turistar, mas venha na paz com as palavras do cearense Belchior: “Nordeste é uma ficção, Nordeste nunca houve”.

* Beatriz Jucá é jornalista independente cearense. Atua como colunista do Diário do Nordeste e editora em projeto da Infoamazônia. Em mais de uma década como repórter, se dedicou especialmente à cobertura de direitos humanos, meio ambiente, política e saúde. Também atuou no jornal espanhol El País, além de assinar reportagens em veículos como Folha de S. Paulo, Valor Econômico, Jota e outros.


Vale o clique 

O paraibano Digaí Podcast mudou de nome e agora se chama “Diguénada Podcast”. Vale demais ouvir os episódios  Nordeste não é um clichê e entender melhor a história de Lampião, o Cangaço e a Paraíba.

Enquanto prepara a fantasia do carnaval, dá o play na análise do podcast Repercuta, sobre o documentário “Jorjão”, que narra a vida de um dos maiores mestres de bateria da história.

E para saber tudo que vai rolar no carnaval de Recife e Olinda, dá uma olhada nas matérias da pernambucana Revista O Grito.

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