11/05/22
Célio Teixeira
blogfolhadosertao.com.br
O presidente Jair Bolsonaro durante entrega de títulos de propriedade rural no assentamento Bonsucesso, no município de Flores de Goiás (GO), em 2020 – Pedro Ladeira – 18.nov.2020/Folhapress
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Em quase três anos e meio de gestão, o governo Jair Bolsonaro (PL) intensificou ação iniciada pelo antecessor Michel Temer (MDB) e transformou radicalmente o programa de reforma agrária brasileiro.
O modelo de distribuição de terras a camponeses pobres deu lugar a outro em que as verbas são minguantes, as desapropriações de terras e assentamentos de famílias quase não existem mais e o foco se resume a uma maratona de entrega de títulos de propriedade aos antigos beneficiários.
O orçamento para aquisição de terras desabou de R$ 930 milhões em 2011 para R$ 2,4 milhões neste ano, o mesmo ocorrendo com a verba discricionária total do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que caiu de R$ 1,9 bilhão em 2011 para R$ 500 milhões em 2020.
A incorporação de terras ao Programa Nacional de Reforma Agrária, que nos governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz InácioLula da Silva (PT) —1995 a 2010— somou quase 70 milhões de hectares, praticamente desapareceu sob Bolsonaro, assim como o número de novas famílias assentadas.
Já a entrega de títulos de propriedade provisórios ou definitivos observou um salto sob Temer, logo após a edição da lei 13.465/2017, que flexibilizou o processo de regularização fundiária, e virou uma febre sob Bolsonaro, que em três anos e três meses de governo entregou 337 mil títulos, um recorde.
Há várias nuances por trás desses números, mas é possível definir contornos bastante claros. Em primeiro lugar, Bolsonaro colocou em prática, desde a posse, uma política agrária comandada por ruralistas e radicalmente oposta a movimentos sociais de luta pela terra, em especial o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Em seu primeiro ato, Bolsonaro transferiu o Incra da Casa Civil para o Ministério da Agricultura, pasta que entregou à deputada Tereza Cristina, uma das líderes da bancada ruralista. Para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários nomeou um inimigo histórico dos movimentos sociais do campo, o ruralista Nabhan Garcia.
Nos primeiros dias de gestão, o Incra paralisou todos os cerca de 250 processos de aquisição e desapropriação de terras para a reforma agrária, medida que serviria de prenúncio a um futuro de estrangulamento orçamentário e fim da política de criação de assentamentos.
Incra, governo e ruralistas reconhecem a paralisia, mas afirmam, em linhas gerais, que a reforma agrária não se resume à desapropriação e distribuição de terras, e que em um cenário de orçamento bastante limitado é preciso priorizar a consolidação dos atuais assentamentos, tendo como foco a entrega de títulos.
Movimentos rurais e partidos de esquerda ingressaram no fim de 2020 no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ação para tentar obrigar o governo a retomar o programa, mas em 2021 ela foi rejeitada. Houve recurso e o caso está, hoje, nas mãos de André Mendonça, um dos ministros indicados por Bolsonaro.h
A titulação das propriedades rurais da reforma agrária insere-se no objetivo político de esvaziar a influência do MST sobre os assentados, além de buscar abrir uma frente eleitoral em um terreno tradicionalmente controlado pelos partidos de esquerda.
O discurso do governo é de que esses certificados representam a “alforria” dos assentados em relação ao MST e a segurança jurídica para que as famílias tenham acesso a crédito.
Nas propagandas partidárias do PP que começaram a ir ao ar nos últimos dias, por exemplo, a ex-ministra Tereza Cristina aparece afirmando que o governo Bolsonaro fez a “maior ação de regularização fundiária do Brasil”, destacando a concessão de títulos às mulheres.
Só em 2022, por exemplo, Bolsonaro já participou de sete eventos de entrega de documentos de propriedade, ocasiões em que o clima se assemelha a palanque eleitoral, com beneficiados sendo levados ao palco para receber os papéis das mãos do presidente.