Uma boa leitura para o domingo: Nova oposição de cara nova

18/04/20
Por Marcelo Tognozzi*

Neste país de malandros e otários, o presidente Bolsonaro deu um recado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Traduzindo ao pé da letra: estou entendendo perfeitamente seu jogo, aqui não tem bobo. O jogo é a articulação de uma nova oposição, a qual tem entre seus condutores os governadores João Doria (PSDB), Ronaldo Caiado (DEM) e Wilson Witzel (PSC), além do próprio Rodrigo Maia e do presidente do DEM, ACM Neto. Todo mundo profissional, exceto Witzel, que será devidamente deglutido na hora certa.

É a realidade e está visível ao bom entendedor do processo político. Bolsonaro não precisa de dossiês de inteligência dos seus analistas de informações para concluir o óbvio. Basta cruzar os dados públicos de fontes abertas e verificar que um bloco de oposição consistente está em processo de consolidação em velocidade epidêmica. Bate bumbo e panela.

Esta nova oposição nasceu de uma costela do bolsonarismo e agora dedica-se a expeli-lo. Ganhou consistência na medida em que o país começava a parar, a economia na UTI contaminada pelo coronavírus. É o ideograma chinês da crise e da oportunidade funcionando na prática. O objetivo desta turma é isolar ao máximo Bolsonaro, criar todo tipo de estresse para o presidente, incluindo panelaços, desconstrução do seu discurso anticrise, rotular o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta de herói nacional e fomentar um ambiente de insegurança em relação ao Executivo, criando medo e desconfiança coletiva sobre a real capacidade do governo federal em resolver a crise.

O desfecho desta estratégia pode levar o país a quebrar na mão de Bolsonaro, como no jogo do mico preto. Ao ver a economia parar, sem conseguir furar resistências no Judiciário, que trouxe para debaixo da toga prefeitos e governadores, o presidente resiste. Enquanto seus adversários jogam para a plateia, transformando calamidade púbica numa aposta política perigosa. Há muita vaidade e pouca solidariedade.

Rodrigo Maia vinha murchando desde o fim do ano passado diante da perspectiva de um ano eleitoral de baixa atividade legislativa, campanhas municipais mobilizando deputados, senadores e o próprio presidente da República. Dois candidatos do Centrão, Arthur Lira (PP-AL) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), dedicavam-se às primeiras costuras para a sucessão de Maia em fevereiro de 2021. Mas a pandemia e as votações virtuais da Câmara, com Brasília vazia de congressistas e a pauta da Câmara cheia, deram novo fôlego e protagonismo a Maia.

Junto com Doria, Caiado, Witzel e ACM Neto, ele integra uma oposição cujos líderes apoiaram a eleição de Bolsonaro na falta de um candidato melhor diante do naufrágio dos postulantes de centro, como o ex-governador Geraldo Alckmin e o próprio Rodrigo Maia. É menos estridente e mais profissional, num bate e assopra matreiro, um raposismo militante, como diria Odorico Paraguaçu, personagem-síntese desta sabedoria de bagre ensaboado.

Maia tem pontes com a esquerda, boas relações com o PT e Orlando Silva do PC do B. Uma das suas promessas ao se eleger presidente foi abortar a CPI da UNE e recentemente mandou para o lixo a MP que criou a carteira de estudante virtual, garantindo à UNE de Orlando Silva a receita e o monopólio das carteirinhas analógicas.

Parte da esquerda embarcou nesta nova oposição, repetindo um movimento ocorrido durante a articulação que elegeu Tancredo Neves pelo voto indireto em 1985. Também há vagas para grandes empresários e banqueiros, numa espécie de renovação dos laços entre os líderes da elite política e econômica tradicional, incluindo uma bela pitada daquilo que Raymundo Faoro definiu como capitalismo político na sua obra prima “Os Donos do Poder”. A mídia comercial já aderiu e agora fazem o mesmo blogs e sites de notícias surgidos de outra costela do bolsonarismo e do lavajatismo, até fevereiro radicais defensores do governo. Serão muitas emoções nos próximos 2 anos até a próxima eleição presidencial.

Ocupando cada vez mais espaço com lives e entrevistas coletivas, Doria, Maia e aliados usam o discurso de defesa da vida das pessoas para defender a economia parada, enquanto o mico esquenta nas mãos do presidente. Dilma quebrou o Brasil. Temer não conseguiu consertar nada, bombardeado pelos políticos do Ministério Público que todo o tempo tentaram tirá-lo do poder. Como presidente da Câmara, Rodrigo Maia, colocou em votação duas denúncias contra Temer encaminhadas pelo procurador Rodrigo Janot. O plenário mandou ambas às favas.

Bolsonaro recebeu um país quase quebrado, com um deficit público de mais de R$ 120 bilhões. Com ajuda de uma base política consistente, avançou iniciando um processo de redução de desemprego e retomada do crescimento. Se preparava para ser um candidato forte em 2022. Em menos de 2 meses o país perdeu tudo, a base politica ruiu, a economia foi para a UTI e o presidente para o isolamento, escoltado pelo seu time de militares.

A malandragem com aparato oficial, gravata e capital jogou seu jogo para os otários. A nova oposição quer o poder e já briga por ele. Sabe muito bem que reconstruir um país quebrado dá lucro e voto. O resto é perfumaria.

*Jornalista e consultor independente há 20 anos. Fez MBA em gerenciamento de campanha políticas na Graduate School Of Political Management – The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madrid.

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