13/03/22
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*Por Ítalo Rocha Leitão
A noite da sexta-feira 11 de abril de 2002 estava bem tranquila para os brasileiros. Bares cheios, trabalhadores voltando pra casa depois de uma semana de luta, famílias nas estradas em busca de um fim de semana de descanso. Mas na vizinha Venezuela o clima era de terror.
Na capital Caracas, os opositores de Hugo Chávez promoviam buzinaço e panelaço para comemorar a queda do presidente da República. Na realidade, o coronel Chávez havia sido sequestrado por um grupo de generais da extrema direita venezuelana.
O golpe, que durou menos de 48 horas, foi comunicado de imediato à Imprensa internacional. No Brasil, os jornalistas deflagraram uma busca frenética pelos líderes de esquerda. O ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes, figura icônica da esquerda brasileira, era o mais procurado. E foi nessa busca dos repórteres por Arraes que veio à tona no Recife o lado cômico do efêmero golpe venezuelano.
Os telefones não paravam de tocar na residência do ex-governador. Não está, ainda não chegou, não sabemos a que horas vai voltar – eram essas as respostas que os inúmeros jornalistas ouviam.
O tempo ia passando e a angústia dos repórteres aumentando. Até que, já perto das onze da noite, Miguel Arraes foi localizado por um jornalista da Globo que antes tinha trabalhado na assessoria de imprensa de Miguel Arraes e manteve os laços de amizade com a família do ex-governador.
Arraes estava no apartamento de um dos seus dez filhos, Marcos Arraes, então presidente da Hemobras, no bairro do Espinheiro. Arraes se dispôs a receber os jornalistas.
O problema era na hora de Marcos Arraes passar o endereço para os jornalistas: RUA VENEZUELA, EDIFÍCIO CARACAS…..Não, isso é brincadeira, isso é trote!, diziam os repórteres com algum ar de frustração. Podem vir, eu juro que estou dizendo a verdade, replicava Marcos até convencer os interlocutores que o endereço não passava de uma grande coincidência. E a entrevista de Arraes em apoio a Chávez foi para as primeiras páginas, saiu em rádio e TV do Brasil e do exterior. Em apenas dois dias, Hugo Chaves estava de volta à presidência da Venezuela. Ele morreu de câncer, em 2013, aos 58 anos, ainda sentado na cadeira de presidente.
Miguel Arraes de Alencar nasceu num pequeno município do interior nordestino chamado Araripe, encravado lá nas brenhas do Ceará. Migrou ainda muito jovem pro Rio de Janeiro e Pernambuco para depois se tornar um dos políticos mais respeitados do Brasil.
No primeiro dos três mandatos de governador de Pernambuco, foi deposto em 1964 pelos militares e passou 15 anos exilado na Argélia. E foi nesse período que o filho do pequeno Araripe se fez cidadão do mundo. Ficou amigo de Fidel Castro, Olof Palme, Yasser Arafat, Pablo Neruda, François Mitterrand e chegou a ser sócio do ex-presidente de Portugal, Mário Soares, com quem abriu uma livraria em Paris. Arraes morreu em 2005, aos 88 anos, como deputado federal e presidente nacional do PSB.
*Ítalo Rocha Leitao é jornalista