04/09/24
Samba de Coco Raízes de Arcoverde, Sem Compromisso (SP), Dudu Nobre (RJ) e Psirico (BA) fizeram o grand finale do evento, após oito etapas, já na madrugada desta segunda-feira (2)
O coração já estava batendo de saudade quando o público começou a chegar na última noite do Festival Pernambuco Meu País 2024, em Buíque (Agreste), oitava etapa do evento. É claro que não poderia terminar de outra forma que não fosse ao som de uma batucada. Apenas uma não, várias. No polo que dá nome ao festival, subiram o Samba de Coco Raízes de Arcoverde, o grupo de pagode Sem Compromisso (SP), o sambista Dudu Nobre (RJ) e a banda Psirico (BA) para animar uma Praça de Eventos que acabou a noite praticamente lotada.
Apesar de ser de um município vizinho, fazia tempo que o Samba de Coco Raízes de Arcoverde não se apresentava em Buíque. Foi preciso um convite do Festival Pernambuco Meu País para que isso acontecesse. Ícone do gênero e muito querido pelo público que aprecia as manifestações populares, o grupo fez seu show tradicional, em que mistura temas de sua autoria com outros tradicionais e versões até mesmo da música pop que tem inspiração na cultura popular. E é aí que mora uma das principais curiosidades sobre o trabalho de conjuntos como o SCRA.
Quando inclui em seu repertório canções como Jack Soul Brasileiro, de Lenine, cantor, instrumentista e compositor que sempre bebeu na fonte do regionalismo pernambucano, o SCRA passa a integrar uma cadeira cultural que se retroalimenta, interage dentro de si mesma e consequentemente se autorrenova. Com 11 integrantes de vozes e percussão, sete homens e quatro mulheres, sob o comando do mestre Assis Calixto, o conjunto reveza seus membros na voz principal e nas coreografias.
No palco, O SCRA também é didático quando pela do samba de coco de roda para o foguete de roda, um estilo mais rápido do gênero, instigando a plateia formar círculos de mãos dadas e dançar. No mesmo ritmo fez ainda versões de marchinhas de Carnaval como A Jardineira, Chachaça Não É Água e Allah-La-Ô.
Em atividade desde 1986, o Sem Compromisso traz no nome uma contradição, pois é um dos grupos mais longevos engajados com o pagode. O que o deixa habilitado não apenas para tocar suas composições como também para revisitar os maiores sucessos do gênero. E foi o que o conjunto, liderado pelo vocalista Ney Rocha, fez em Buíque.
Além de temas próprios como Mariana Parte e Minha e Alguma Coisa, o Sem Compromisso fez uma sequência ininterrupta de sucessos de Os Morenos (Minha Fé), Revelação (Coração Radiante, Deixa Acontecer), Arlindo Cruz (Camarão que Dorme a Onda Leva, Bagaço da Laranja), Zeca Pagodinho (Coração em Desalinho), Só pra Contrariar (Essa Tal Liberdade, Depois do Prazer), Exaltassamba (Me Apaixonei pela Pessoa Errada), Jeito Moleque (Pela Vida Inteira), Art Popular (Temporal), Raça Negra (É Tarde Demais) e Beth Carvalho (Samba de Arerê, Vou Festejar). A multidão, claro, cantou junto e dançou.
O nível só aumentou quando subiu no palco Dudu Nobre e sua banda para fazer um espetáculo completo, com um roteiro quase cinematográfico, de início, meio, clímax e fim. Ao que sugere ser pensado minuciosamente, em cada detalhe, o cantor logo na abertura botou mais lenha no fogo aceso na plateia com os hits A Grande Família, Faixa Amarela e No Mexe Mexe no Bole Bole. Em seguida, já tocando cavaquinho, seguiu interpretando Vou Botar Teu Nome na Macumba, Posso Até Me Apaixonar e É Preciso Muito Amor.
Não à toa, Dudu Nobre já chegou sabendo onde estava pisando, Buíque, parte deste Pernambuco Meu País, e rendeu sua reverência. Nas palavras do sambista, ele entende que Pernambuco respeita sua ancestralidade tanto quanto as pessoas que, como ele, são nascidas e criadas no samba. Foi a deixa para homenagear do gênero com um repertório que contemplou Adoniran Barbosa (Trem das Onze), Dorival Caymmi (Maracangalha), Martinho da Vila (Madalena do Jucu), Beth Carvalho (Tristeza), João Bosco & Aldir Blanc (Kid Cavaquinho) e Alcione (Não Deixe o Samba Morrer).
Na sequência, Dudu beijou a pedra do Cacique de Ramos destilando hits de Fundo de Quintal (Insensato Destino, Conselho, O Show Tem que Continuar, Ô Irene), Jorge Aragão (Eu e Você Sempre) e Arlindo Cruz (Maneiras). Lembrou ainda de quando foi introduzido no samba, aos 5 anos de idade, e depois quando foi inserido oficialmente, ao 12, ilustrando com canções como Tá Escrito (Revelação), Alguém Me Avisou (Dona Ivone Lara) e Verdade (Zeca Pagodinho). “E vai virar Carnaval”, avisou o cantor, para anunciar o clímax/fim do espetáculo regado a sambas-enredos, inteiros e em forma de pout-pourris.
O clima de reverência a Pernambuco continuou com a banda Psirico, que detonou em Buíque um baile de pagodão, brega-funk e suingueira. Ao som do sucesso Lepo Lepo, o vocalista Márcio Victor foi logo subindo ao palco lembrando do percussionista Naná Vasconcelos, um dos homenageados desta edição do festival, com que esteve no Panorama Percussivo Mundial (Percpan), em Salvador. “Um dos maiores astros do mundo”, honrou. Outro saudoso artista pernambucano lembrado por Márcio foi Chico Science, a quem prestou tributo cantando Maracatu Atômico (Jorge Mautner & Nelson Jacobina).
A partir daí, o Psirico levou o público à loucura com o que estava no script: pagodão, brega-funk e suingueira, com canções autorais e de artistas similares. No repertório, Xenhenhém, Ela É da Bagaceira, Casca de Bala, Jogação, Parabéns, Sambadinha, Elas Gostam, Não Vale Mais Chorar por Ele, Piriri Pom Pom, Metralhadora, Abaixa que É Tiro, Rapunzel, Perna Bamba e Chupeta.
Engajado, Márcio pronunciou mensagens contra o racismo e a favor da mulher. Ainda prestou tributo ao samba clássico, com Alguém Me Avisou (Dona Ivone Lara) e terminou em clima de festa, brincando, revisitando temas apenas ao som do DJ e fazendo Buíque estremecer, já na madrugada da segunda-feira (2).