20/02/22
blogfolhadosertao.com.br
Por Ricardo Leitão *
Repousa em uma gaveta da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, um surpreendente relatório produzido pela Polícia Federal.
No documento, a delegada Denisse Ribeiro afirma que uma milícia digital atua contra a democracia e as instituições, usando a estrutura do chamado gabinete do ódio – grupo formado por aliados do presidente Jair Bolsonaro, com apoio dentro do Palácio do Planalto.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou que, até o final deste mês, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tome uma decisão em relação ao relatório. Aras pode arquivá-lo, solicitar novas investigações à Polícia Federal ou encaminhar o documento à apreciação da Câmara dos Deputados. Aos parlamentares caberá então deliberar se Bolsonaro deve ser processado. É remota a possibilidade de a Câmara, de maioria bolsonarista, votar contra Sua Excelência. Mas nunca uma investigação policial chegou tão perto do chefe do desgoverno.
A delegada Denisse Ribeiro conduz os inquéritos das fake news e das milícias digitais na Polícia Federal, temas da agenda do ministro Alexandre de Moraes, no Supremo. Segundo o relatório da PF, a ação do gabinete do ódio e das milícias digitais seria orquestrada. Seu propósito, difundir ataques e desinformação, criando e deturpando dados, para obter ganhos políticos, ideológicos e financeiros. Os ataques aos alvos – chamados de espantalhos – seguem cinco etapas: eleição de uma vítima (pessoa ou instituição); elaboração de conteúdo ofensivo; publicação sistemática de dados ofensivos, inverídicos ou deturpados, e uso de robôs para potencializar a difusão das mensagens.
A organização desse planejamento – que estreou na campanha bolsonarista em 2018 – contou com assessoria internacional. Principal estrategista da campanha de Donald Trump e depois consultor em seu governo, Steve Bannon disponibilizou suas fórmulas ao bolsonarismo: sempre atacar as instituições e a imprensa, disseminar fake news, desconsiderar a gravidade da pandemia e questionar a lisura das eleições. Foi dele o planejamento da invasão do Congresso dos Estados Unidos, para impedir que Joe Biden assumisse a presidência.
Uma revisão do que Bolsonaro fez na campanha e faz no desgoverno, com ajuda de seu clã, confirmará que as fórmulas de Bannon foram seguidas aqui. É certo que não aconteceu – ainda – uma invasão ao Congresso. Porém a Praça dos Três Poderes testemunhou o cerco e o bombardeio, com rojões, da sede do Supremo Tribunal Federal, por milicianos bolsonaristas que pediam a volta da ditadura.
Preso sob acusação de fraude, por sumir com recursos arrecadados para levantar o muro entre o México e os Estados Unidos, Steve Bannon pagou fiança de U$ 5 milhões e mergulhou de volta à lama. Não há notícias de que pretenda assessorar a campanha de reeleição de Bolsonaro. No entanto, seus ensinamentos continuam válidos. Por exemplo: Sua Excelência permanece disposto a investir no descrédito do sistema eleitoral brasileiro – especialmente na urna eletrônica – para criar tumulto em caso de derrota no pleito de outubro.
Trata-se de mais um retorno à velha farsa. Bolsonaro jamais apresentou qualquer coisa que sustentasse suas acusações, a não ser o ímpeto de criar balbúrdia. Esquece que os votos que o elegeram em 2018 foram registrados em urnas eletrônicas. Manobra fraudulenta igual foi tentada por Donald Trump quando, assessorado por Bannon, tentou desacreditar a votação pelos Correios, longa tradição nas eleições norte-americanas.
O gabinete do ódio e as milícias digitais bolsonaristas ecoaram o discurso de Bolsonaro e atacaram fortemente as urnas eletrônicas, exigindo que a votação digital fosse substituída pela voto impresso. O Tribunal Superior Eleitoral provou a segurança da urna eletrônica – em uso há 26 anos – e ganhou o debate com a extrema direita. Mas o bolsonarismo conseguiu gerar suspeição sobre o sistema eleitoral e, consequentemente, colocar em dúvida a escolha dos eleitores.
Jair Bolsonaro não irá abrir mão das milícias digitais, uma das bases de sua mobilização na campanha de 2018. Já em setembro do ano passado, ao revogar a Lei de Segurança Nacional, vetou itens que criminalizavam a comunicação enganosa em massa e o atentado ao direito de manifestação. No mesmo momento, vetou também a punição mais rigorosa a militares envolvidos no alastramento de notícias falsas.
Os vetos atestam a importância das redes de mentiras e de ódio para Sua Excelência, como corrobora o relatório da delegada da PF Denisse Ribeiro: “A análise (…) demonstra a prevaricação e a articulação que antecedem a criação e a repercussão de notícias não comprovadas ou reconhecidamente falsas a respeito de pessoas ou temas de interesse”, afirma a delegada. “Como exemplo, entre outros, podemos citar a questão do tratamento precoce contra Covid-19 com o emprego da hidroxicloroquina/cloroquina e azitromicina”.
Como as investigações da delegada envolvem suposta atuação de organização criminosa, também estão em análise dados relacionados a outras apurações que atingem Jair Bolsonaro, a exemplo da live em que Sua Excelência divulgou informações inverídicas sobre as urnas eletrônicas e o vazamento de dados sigilosos de processo criminal. As investigações têm apoio do Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal.
Nunca antes, na história desse País, um presidente no exercício do cargo se viu tão enredado com uma quadrilha de milicianos digitais, com possíveis conexões ao seu gabinete no Palácio do Planalto. E tudo ocorrendo no pior momento político, eleitoral e administrativo do desgoverno, quando cada vez mais cresce a possibilidade de uma derrota nas urnas (eletrônicas!) de outubro.
*Ricardo Leitão é Jornalista