19/12/25 -http://blogfolhadosertao.com.br – Por JC
Leilão dividiu operação em dois blocos, terá contratos de 35 anos e prevê universalização da água e do esgoto em 175 municípios até 2033

O leilão de concessão dos serviços da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), realizado nesta quinta-feira (18), na B3, em São Paulo, marcou um dos maiores movimentos do setor de saneamento no Brasil nos últimos anos e abriu uma nova frente de disputa política em Pernambuco.
Tratado pelo governo estadual como um divisor de águas para a universalização do acesso à água e ao esgotamento sanitário, o certame foi comemorado pela governadora Raquel Lyra, mas gerou críticas imediatas da oposição, que questiona o modelo adotado, os dados do edital e possíveis impactos tarifários e sociais.
O processo resultou na contratação de investimentos privados estimados em cerca de R$ 19 bilhões ao longo de 35 anos, com a concessão dos serviços de distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto em 175 dos 185 municípios pernambucanos. A Compesa seguirá responsável pela produção e venda da água tratada às concessionárias.
O modelo desenhado pelo Governo de Pernambuco dividiu o estado em dois grandes blocos regionais. O bloco Pajeú, que reúne 151 municípios, foi arrematado pelo consórcio formado pelas empresas Acciona e BRK Ambiental. Já o bloco Sertão, que engloba 24 cidades, ficou com a Infraestrutura BR V Saneamento Holding II, controlada pelo fundo Pátria Investimentos.
O critério de julgamento foi híbrido, combinando maior valor de outorga com desconto tarifário, limitado a 5% em cada lote. A estrutura permitiu propostas agressivas, sobretudo nos valores pagos ao Estado.
No bloco Sertão, houve disputa entre Pátria, Cymi Brasil e Aegea. Pátria e Cymi apresentaram o desconto máximo permitido na tarifa, enquanto a Aegea ofertou redução menor. A proposta vencedora do Pátria foi definida pelo valor de outorga de R$ 720 milhões — um ágio de 727% sobre o mínimo de R$ 87 milhões previsto no edital —, superando com folga os R$ 197 milhões ofertados pela Cymi, o que dispensou a rodada de viva-voz.
Já o bloco Pajeú não teve concorrência. Apenas o consórcio Acciona–BRK apresentou proposta, oferecendo desconto máximo de 5% na tarifa e outorga de R$ 3,5 bilhões, valor 60% superior ao mínimo estipulado no edital, de R$ 2,2 bilhões.
Somadas, as outorgas renderão cerca de R$ 4,2 bilhões aos cofres do Estado.
Investimentos, metas e desenho da concessão
Pelo desenho contratual, as concessionárias privadas ficarão responsáveis pela distribuição de água e pelos serviços de coleta e tratamento de esgoto, enquanto a Compesa continuará encarregada da captação, produção e venda da água tratada.
De acordo com o Governo de Pernambuco, os contratos estão alinhados às metas do marco legal do saneamento, com previsão de alcançar 99% de cobertura de abastecimento de água e 90% de atendimento por rede de esgoto até 2033. Também estão previstas ações para reduzir perdas no sistema e enfrentar a intermitência no fornecimento, um dos principais gargalos históricos do estado.
Os vencedores terão até 180 dias após o início da operação para apresentar um plano específico de combate à intermitência, com intervenções imediatas e medidas estruturantes, especialmente em municípios que convivem com racionamento frequente.
A presença da BRK Ambiental no consórcio vencedor do bloco Pajeú chama atenção do mercado, já que a empresa já opera uma parceria público-privada de esgotamento sanitário no Recife e na Região Metropolitana, o que pode gerar sinergias operacionais e regulatórias.
Governo comemora e fala em “novo tempo”
A governadora Raquel Lyra acompanhou o leilão presencialmente na B3, ao lado da vice-governadora Priscila Krause e de autoridades, como o senador Fernando Dueire. Após o encerramento do certame, ela comemorou o resultado e classificou a concessão como um marco para Pernambuco.
“Um novo tempo para a Compesa. Um novo tempo para Pernambuco. Essa vitória é de todos os pernambucanos”, afirmou a governadora.
Em outros momentos, Raquel destacou o caráter social da concessão e relacionou a ampliação do acesso à água ao fortalecimento da democracia.
“Não há democracia sem as pessoas terem direito à água na torneira, para beber, tomar banho, cozinhar e se desenvolver. É uma questão humanitária”, disse.
O secretário de Recursos Hídricos e Saneamento, José Almir Cirilo, também celebrou o resultado, afirmando que o processo foi “muito bem cumprido” e que os investimentos devem transformar o estado em um “grande canteiro de obras”.
“Estamos falando de mais de R$ 4,2 bilhões em outorgas e cerca de R$ 19 bilhões em investimentos. Isso significa garantir que a água chegue em quantidade e qualidade adequadas para a população, com impacto direto na saúde e na qualidade de vida”, declarou.
Oposição critica modelo e promete fiscalização
Na contramão do discurso oficial, o leilão provocou reação imediata da oposição ao governo Raquel Lyra. Parlamentares estaduais e federais levantaram questionamentos sobre o modelo da concessão, os dados apresentados no edital, os riscos de aumento tarifário e os impactos para trabalhadores da Compesa e comunidades menores.
O deputado federal Pedro Campos (PSB) fez uma das críticas mais duras, afirmando que o edital autoriza a cobrança por serviços que, segundo ele, não existem em diversos municípios.
“O governo está vendendo coisa que não existe e permitindo que as empresas cobrem por um serviço que não vai ser prestado”, afirmou, citando exemplos como Lagoa dos Gatos e Serra Talhada, onde, segundo o parlamentar, não haveria estrutura de esgotamento compatível com os índices informados no edital.
Para Campos, o risco é que os custos sejam repassados à população. “Esse prejuízo não ia ficar no bolso de quem está comprando. Vai ser repassado para a população”, disse, fazendo um paralelo com o Rio de Janeiro, onde, segundo ele, houve aumento tarifário após a concessão.
Na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), o deputado estadual Waldemar Borges (MDB) afirmou que o modelo “tem muitas falhas” e criticou o fato de sugestões da oposição não terem sido incorporadas ao texto final.
Entre os pontos citados estão a ausência de garantias explícitas para os trabalhadores da Compesa, a falta de proteção para comunidades com menos de mil habitantes e a rejeição de uma proposta que impediria a venda de água tratada pela Compesa às concessionárias por valor inferior ao custo de produção.
“O processo de discussão foi muito mais retórico do que real. O modelo exige acompanhamento e fiscalização permanentes”, afirmou.
A deputada Dani Portela (PSOL) também criticou o leilão, afirmando que o modelo ignora experiências internacionais de reestatização do serviço de água.
“Privatizar é fechar a torneira de quem mais precisa”, escreveu, alertando para possíveis aumentos tarifários e piora no serviço.




