08/12/25 – Http://blogfolhadosertao.com.br – Por Romário Pereira de Carvalho

A redução acelerada dos jumentos no país preocupa pesquisadores porque o avanço do mercado de colágeno extraído da pele desses animais pressiona rebanhos já diminutos. O tema ganhou força após novos dados indicarem queda de 94% da população entre 1996 e 2025.
Queda rápida do rebanho e alerta de extinção
A demanda pelo ejiao intensificou o abate. Mais de 1 milhão de jumentos foram mortos no período citado, portanto o número total caiu de 1,37 milhão para 78 mil. O ritmo, segundo especialistas, ameaça a sobrevivência da espécie.
O professor Pierre Barnabé Escodro, da Universidade Federal de Alagoas, afirmou que a tendência é irreversível sem intervenção.
Ele disse que a espécie talvez não alcance 2030 em território brasileiro, algo que reforçou a urgência de medidas concretas.
O alerta não surgiu sozinho. Pesquisadores e defensores se reuniram em Maceió, recentemente, no terceiro encontro Jumentos do Brasil, que reuniu cerca de 150 participantes.
O objetivo foi pressionar pela aprovação de um projeto que veta o abate nacionalmente.
Fiscalização insuficiente e críticas ao modelo atual
Atualmente, três frigoríficos baianos possuem autorização federal para o abate. Embora a atividade seja regulamentada, críticos afirmam que não existe rastreabilidade adequada. Além disso, denunciam que faltam controles sobre sanidade e maus tratos.
Escodro classificou a prática como extrativista, porque a produção de jumentos para abate não seria economicamente viável.
Segundo ele, há esgotamento progressivo de um recurso que não se recupera na mesma velocidade da extração.
Um estudo publicado em maio na revista Animals reforçou esse cenário. Na pesquisa, 104 jumentos abandonados, destinados ao abate, apresentaram inflamação sistêmica. O quadro indicou negligência e sofrimento, apontando falhas na cadeia produtiva.
A Justiça já suspendeu temporariamente a atividade em momentos distintos. As ações partiram de organizações que denunciam maus-tratos e riscos de desaparecimento da espécie. Alguns processos reabriram o debate sobre responsabilidade e fiscalização.
Disputa política e dados contestados
Em 2022, um projeto de lei buscou proibir o abate na Bahia. Porém, em abril deste ano, o deputado Paulo Câmara, relator da proposta, deu parecer contrário.
Ele afirmou que a atividade tem regulamentação, relevância econômica e que a população estaria “estável”.
A declaração causou reação imediata. Entidades emitiram nota de repúdio e contestaram os dados apresentados.
O debate ganhou ainda mais força porque o comércio movimenta cifras elevadas. O colágeno extraído da pele dos jumentos é a base do ejiao, produto tradicional da medicina chinesa. Ele é usado para tratar anemia, insônia e impotência, sem comprovação científica.
Avanço global do comércio e pressão econômica
A organização britânica The Donkey Sanctuary estima que 5,9 milhões de jumentos sejam abatidos por ano no mundo para abastecer esse mercado.
O setor movimentaria cerca de 6,4 bilhões de dólares, fator que mantém alta a procura internacional.
No Brasil, a pele de um único animal pode alcançar até US$ 4 mil, conforme Escodro. Além disso, o preço do jumento vivo subiu de R$ 100 para até R$ 500 no interior do Nordeste. Fatores que, juntos, recriam pressão constante sobre rebanhos já reduzidos.
O cenário internacional confirma que o impacto ultrapassa fronteiras. Pesquisa divulgada no dia 25 pela Universidade Maasai Mara, no Quênia, mostrou que furtos de animais crescem porque atendem à indústria do ejiao. Comunidades rurais, sobretudo mulheres, sofrem prejuízos diretos.
O Egito, por sua vez, praticamente perdeu seus jumentos. A crise levou a União Africana a aprovar uma moratória de 15 anos contra o abate comercial, tentativa de preservar rebanhos que desapareceram rapidamente.
Alternativas propostas no Brasil
Entre soluções estudadas, pesquisadores discutem criar santuários em regiões que ainda concentram animais.
A ideia é formar áreas de proteção para permitir recuperação populacional mais lenta. É um plano considerado inicial, mas visto como possível.
Outra linha de ação tenta reinserir os jumentos na agricultura familiar. Alguns grupos estudam formas de reaproveitar o animal em atividades de campo, reduzindo situações de abandono.
Há também estudos sobre jumentoterapia, prática de assistência terapêutica.
Pesquisadores defendem que reintroduzir esses usos pode gerar valor social e econômico. Portanto, isso poderia diminuir o abate e fortalecer políticas de cuidado.
É um debate em andamento, ainda sem consenso, mas que ganhou espaço após o encontro em Maceió.
A discussão segue aberta. Os próximos meses indicarão se o Congresso colocará em pauta o projeto que veta o abate.
A decisão poderá definir o futuro da espécie no Brasil, já que a tendência atual preocupa especialistas e entidades há anos.
Enquanto isso, defensores afirmam que os dados mostram um quadro crítico. Alguns admitem que há certa urgência, mesmo falando meio rápido ou deixando escapar um errinho, porque a curva de queda permanece consistente desde os anos 1990.
O tema avança no debate público. E, mesmo com divergências políticas, cresce entre cientistas a percepção de que medidas de contenção precisam ocorrer logo, antes que o país siga o caminho de regiões que já perderam seus rebanhos quase por completo.



