02/03/25
Por 247
http://blogfolhadosertao.com.br
França possui o quarto arsenal nuclear mundial, atrás dos EUA e Rússia – que concentram 90% das cerca de 12 mil ogivas nucleares globais -, e da China

Com a crescente incerteza sobre o compromisso dos Estados Unidos com seus aliados europeus em meio à guerra na Ucrânia, o presidente francês Emmanuel Macron elevou o tom e colocou em pauta a possibilidade de disponibilizar o arsenal nuclear francês para garantir a segurança do continente.
No sábado (1), em entrevista à TV portuguesa RTP, Macron afirmou que está pronto para discutir o uso das ogivas nucleares francesas em defesa da Europa contra ameaças vindas da Rússia. “Sempre houve uma dimensão europeia para os interesses vitais da França em sua doutrina nuclear”, disse o presidente, de acordo com a Folha de S. Paulo. Ele se reunirá com líderes europeus e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no Reino Unido neste domingo (2).
O presidente dos EUA tem repetido a narrativa do Kremlin sobre o início do conflito e se mostra inclinado a aceitar uma solução favorável a Putin, que incluiria a perda territorial da Ucrânia sem qualquer garantia de segurança por parte dos EUA.
Diante desse cenário, Macron busca reforçar sua posição estratégica. A França detém o quarto maior arsenal nuclear do mundo, atrás apenas dos EUA e da Rússia — que concentram 90% das cerca de 12 mil ogivas nucleares globais — e da China, que possui cerca de 500 armas atômicas.
No ano passado, Macron já havia testado um míssil de cruzeiro nuclear em resposta a ameaças de Putin, que alertou sobre uma possível guerra nuclear caso Paris enviasse tropas à Ucrânia. O líder francês, porém, posteriormente admitiu que sua movimentação buscava criar uma “ambiguidade diplomática” diante do Kremlin.
A imprensa britânica especula que Macron pretende avançar na estratégia nuclear ao propor o deslocamento de caças franceses Rafale equipados com mísseis de cruzeiro nucleares para bases na Alemanha. Segundo essas análises, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, estaria disposto a apoiar a iniciativa.
Atualmente, a defesa nuclear da Otan é essencialmente controlada pelos EUA, que mantêm cerca de 100 ogivas nucleares do modelo B61 em bases na Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália e Turquia. Além disso, a base aérea de Lakenheath, no Reino Unido, está sendo modernizada para voltar a abrigar armamentos nucleares.
Diferente dos americanos, cujas bombas táticas são projetadas para serem lançadas por caças F-35, F-16 e Panavia Tornado, a França mantém sua cadeia de comando nuclear totalmente independente. Paris conta com quatro submarinos nucleares equipados com mísseis estratégicos e cerca de 50 mísseis ASMPA, que podem ser transportados por 20 caças Rafale adaptados para a missão.
No entanto, a quantidade limitada de armamentos torna incerto se a França estaria disposta a deslocar esses caças de sua base em Saint-Dizier para reforçar posições em território alemão, aproximando-se ainda mais da fronteira russa.
A proposta de Macron reacende o debate sobre a autonomia nuclear europeia dentro da Otan, especialmente diante da crescente instabilidade geopolítica. O Reino Unido, por exemplo, é a terceira potência nuclear da aliança militar, com 225 ogivas, mas opera seu arsenal em total alinhamento com a estratégia dos EUA, utilizando exclusivamente mísseis Trident-2D5 em seus submarinos nucleares da classe Vanguard.
Embora possa apoiar politicamente a ideia de Macron, o Reino Unido não possui armas nucleares baseadas em terra para oferecer a outros aliados. Além disso, o alinhamento próximo entre britânicos e americanos representa um obstáculo político para qualquer estratégia nuclear independente na Europa.
Na França, a oposição de direita já reagiu à iniciativa. Marine Le Pen, líder do partido Reagrupamento Nacional, criticou a proposta de Macron. “A dissuasão nuclear francesa deve permanecer francesa”, declarou no sábado (1º). “Não deve ser compartilhada, muito menos delegada.”
Apesar da retórica do líder francês, a disparidade numérica entre os arsenais das potências nucleares pesa na equação. A Rússia tem cerca de 1.710 ogivas nucleares prontas para uso, além de um grande estoque estratégico, que eleva o total para mais de 4.000 bombas. A França, por sua vez, conta com apenas 290 ogivas.
Além disso, um eventual conflito nuclear entre a Europa e a Rússia dificilmente se restringiria ao continente, dada a cláusula de defesa mútua da Otan, que prevê a intervenção dos EUA em caso de ataque a qualquer um de seus membros.