A memória de Zeto do Pajeú

02/08/20

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Por      * Ítalo Rocha Leitão

Há quase duas décadas, morria o poeta José Antônio do Nascimento Filho, o Zeto do Pajeú, que ganhou fama quando, depois do golpe de 64, Miguel Arraes voltou ao Brasil e venceu as eleições para governador de Pernambuco, em 1986.
O protesto contra os militares que destituíram e exilaram Arraes ecoou na voz e na viola de Zeto: “Volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu”. Esses versos foram repetidos inúmeras vezes do Sertão ao cais e se tornaram o símbolo do retorno de Arraes à cadeira de governador.
Zeto nasceu em Canhotinho, no Agreste. Aos cinco anos, se mudou com a família para Caruaru e na adolescência veio para o Recife. Em abril de 1986, durante uma viagem a São Paulo para participar de um congresso do Partido Comunista, conheceu a cantora Bia Marinho.
Ela lhe abriu não só o coração, mas também o caminho do Pajeú e da fama. Em poucos dias de namoro, se apaixonaram. Foram morar juntos em São José do Egito, terra do pai dela, Louro do Pajeú, e surgiu a gravidez do primogênito, Antônio Marinho – que seguiu a trilha poética do pai.
Para cumprir uma tradição sertaneja, o casal combinou que Zeto teria que pedir ao pai de Bia a permissão para o casamento. Sentados em círculo na sala da casa da família da noiva, Zeto abriu o discurso. Mas, de nada adiantaram os ensaios.
Cada vez se enrolava mais e não saía nada compreensível. Bia interveio: “Pai, ele quer pedir minha mão”. Louro do Pajeú, poeta maior da região, com aquela sabedoria secular do sertanejo, olhou para o pretendente e disparou com um sotaque nordestino bem carregado: “É só o que falta ela te dar”.
A família caiu na gargalhada e começava ali uma longa história de amizade entre os dois poetas. A primeira doação do sogro ao genro, além do verso da volta de Arraes, foi o sobrenome. A partir de São José do Egito, o novo integrante da família passou a ser chamado de Zeto do Pajeú.
Apaixonado por poesia e por música, logo se adaptou à nova moradia, que já era conhecida como a terra dos poetas. Religioso, costumava rezar e ir á missa todos os domingos.
Pai zeloso, acordava com o dia ainda escuro para preparar as refeições da família e levar os três filhos à escola (Antônio, Miguel e o enteado Greg). Na música, apreciava os cantores regionais, mas não deixava também de curtir Caetano, Jorge Mautner, Gil, Vicente Celestino – Zeto interpretava com maestria o Ébrio.
Na poesia, conhecia e gostava dos versos de poetas como Baudelaire, Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos. Na esteira do poeta paraibano, também deixou uma única obra, o CD Curvas, gravado em apenas quatro horas, sem intervalo, num estúdio do Poço da Panela, no Recife.
Na gravação, Zeto conversa, afina o violão, declama e canta. Há algum tempo, Yamandu Costa fez uma revelação: “Na hora de cozinhar, gosto de ouvir o disco de Zeto”.
Às quatro horas da tarde do dia 14 de outubro de 2002, aos 46 anos, o poeta, que era como costumava chamar todo mundo, deu seu último suspiro e partiu para a eternidade.
No seu enterro, em Canhotinho, tendo como testemunhas parentes, amigos, filhos, poetas e bêbados, o filho Antônio Marinho declamou versos de Augusto dos Anjos e a companheira Bia Marinho foi buscar nos versos de Vinicius de Moraes a senha para a despedida:
“Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida eu vou te amar, a cada despedida eu vou te amar….”. Terminava assim, de forma precoce, a história de um homem que dedicou toda a sua vida à música e à poesia.

*Ítalo Rocha Leitão é jornalista da Rede Globo

 

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