Arraes, Eduardo e a data 13

09/08/20
blogfolhadosertao.com
Ítalo Rocha Leitão
Jornalista

 

O 13 de agosto é uma data que ficou impregnada para sempre no coração e na mente da população pernambucana, independentemente de coloração ideológica ou partidária. Foi num 13 de agosto que dois líderes políticos de gerações diferentes se despediram da vida, depois de terem governado Pernambuco por cinco mandatos.

Em 2005, essa data caiu num sábado. Fazia 57 dias que Miguel Arraes estava num leito de hospital, no Recife, lutando contra a morte. Às 11h40 da manhã,  o cearense de 88 anos mostrou sinais de cansaço e seu coração bateu pela última vez. Ao seu enterro, no Cemitério de Santo Amaro, uma multidão chorou a sua despedida.

Arraes deixou sua terra aos 17 anos rumo ao Rio de Janeiro onde foi aprovado no vestibular de Direito. Na mesma época, passou num concurso para o extinto IAA, o Instituto do Açúcar e do Álcool. Por decisão pessoal, transferiu-se depois para o Recife, onde terminou o curso na Faculdade de Direito da UFPE.

Na década de quarenta, entrou para a vida pública ao assumir a secretaria da Fazenda, no governo de Barbosa Lima Sobrinho. Nos anos cinquenta, deu os primeiros flertes com as urnas. Ficou na suplência de deputado estadual, mas depois assumiu o mandato.

Em 1959, no segundo mandato de deputado estadual, Arraes foi surpreendido por um convite, ou melhor, uma intimação, das lideranças de esquerda da capital. Deveria ser o candidato a prefeito. “Mas, como, se meus votos são tão pouquinhos?” – ponderou Arraes, com aquele seu jeitão sábio de enxergar a vida. Eleito prefeito, Arraes fez uma administração que logo ganhou destaque junto à população e lhe forneceu o passaporte para outros voos, que ele nem sequer imaginava que estivessem em curso. Criou o Movimento de Cultura Popular, o MCP, demonstrando que queria governar para todos. Em apenas dois anos, 20 mil crianças pobres do Recife, que viviam marginalizadas e sem acesso à educação, foram alfabetizadas. A sede do MCP funcionava no Sítio da Trindade, em Casa Amarela. Jovens e adolescentes pobres tiveram os primeiros contatos com o teatro, a pintura, a poesia. E foi no MCP que o saudoso ator José Wilker, que viveu a infância e a adolescência em Olinda, teve os primeiros contatos com a arte.

Fez o traçado urbano do bairro da Imbiribeira, construiu a ponte de Limoeiro, as avenidas Sul, Abdias de Carvalho e Conselheiro Aguiar. Concluiu a Avenida Norte e pavimentou com concreto a Avenida Boa Viagem. Obras que até hoje servem à população do Recife.

Apenas o Capibaribe separava o prédio da Prefeitura, que ficava na Rua da Aurora, do Palácio do Campo das Princesas. E Arraes foi “convocado” para atravessá-lo. Ficou receoso novamente, mas nada pôde fazer. Abertas as urnas, estava eleito para o primeiro dos seus três mandatos de governador de Pernambuco.

Como governador, ampliou o MCP, estimulou a luta dos trabalhadores rurais da Zona da Mata por direitos trabalhistas, intermediando a negociação entre camponeses e usineiros, que ficou conhecido como o “Acordo do Campo”. Por esse pacto, os direitos trabalhistas dos camponeses passaram a ser respeitados, os salários da categoria foram regulamentados e ficaram acima do mínimo. Foi aí que Arraes ganhou a confiança e a gratidão eterna dos canavieiros. E nunca mais deixou de ser chamado de “Pai Arraia”. Um sincretismo político que acompanhou a sua trajetória pública.

Mas, no segundo ano de governo, veio o grande pesadelo de Arraes. Os militares deram um golpe de estado e tiraram o presidente João Goulart do poder. Em Pernambuco, tentaram contemporizar com o governador. Ele renunciaria ao mandato e em troca ganharia a liberdade. Proposta indecorosa para um homem do quilate de Arraes. No dia primeiro de abril de 1964, foi preso e levado para a Ilha de Fernando de Noronha. De lá, Arraes seguiu para o Rio de Janeiro. Pouco tempo depois partiu com a família  para um longo exílio de 14 anos em Argel, capital da Argélia, na África. Ao voltar, em 1979, Arraes reconstruiu sua vida política. Foi eleito deputado federal em 82. Dedicou parte do mandato à luta pelas eleições diretas de presidente da República. Em 1986, voltou ao Palácio do Campo das Princesas para governar Pernambuco pela segunda vez. No retorno ao governo de Pernambuco, eletrificação de pequenas propriedades rurais, irrigação, crédito agrícola e o Chapéu de Palha, programa criado para dar emprego aos trabalhadores rurais da Zona da Mata durante a entressafra da cana-de-açúcar. Em 1990, Arraes foi eleito deputado federal com a maior votação do Brasil. Em 94, assumiu pela terceira vez o governo de Pernambuco, sendo o único a ser três vezes eleito governador de Pernambuco. Quando encerrou seu terceiro e último mandato, Arraes tinha contabilizado dois mil, novecentos e cinqüenta e cinco dias à frente dos destinos da população pernambucana.

Até pouco tempo antes de morrer, costumava lembrar de um dos seus poemas preferidos, do pernambucano Joaquim Cardozo: “Sou um homem marcado/mas esta marca temerária/entre as cinzas das estrelas/há de um dia se apagar”.

Eduardo Campos formou-se em Economia aos 20 anos de idade e com apenas 22 assumiu um dos cargos mais importantes da estrutura do governo de Pernambuco: a Chefia de Gabinete do governador Miguel Arraes, seu avô.

Em 1990, aos 25 anos, foi eleito pela primeira vez para o parlamento ao conquistar uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco, pelo PSB. Depois, elegeu-se três vezes deputado federal, foi secretário de Governo e da Fazenda de Pernambuco e ministro de Ciência e Tecnologia no primeiro mandato do presidente Lula.

Em 2006, com sua obstinação política, conseguiu quebrar a polarização nas eleições para governador entre Mendonça Filho (DEM)  e Humberto Costa (PT) e assumiu a cadeira que já havia sido ocupada três vezes por Miguel Arraes. Quatro anos depois, com uma administração aprovada por mais de 90% da população,  não teve a menor dificuldade para se reeleger. Conseguiu vencer seu então adversário Jarbas Vasconcelos por uma diferença de 2 milhões e 865 mil votos, um recorde na história política das eleições em Pernambuco.

Eduardo Henrique Accioly Campos, conhecido no seio familiar e amigável como Dudu, era um apaixonado pelo que fazia. Na intimidade, os amigos se acabavam de rir com a história de uma frase pronunciada por um eleitor anônimo, na frente do Palácio do Campo das Princesas, quando Eduardo ia entrando para comandar pela  segunda vez os destinos do Estado. O cidadão, bem simples, que estampava no rosto um mundo de sabedoria,  foi bem direto: “Esse aí botaram política na mamadeira dele”.

Nos seus dois mandatos, Eduardo deixou marcas que jamais se apagarão da memória do povo pernambucano. Comandou pessoalmente a política de combate à violência, reformou e construiu hospitais e escolas públicas na Região Metropolitana e no Interior, incentivou a instalação de uma refinaria e de fábricas em Suape, no Litoral Sul,  redirecionou a expansão industrial para o Agreste, Litoral Norte e Sertão, e deu os primeiros passos para a vinda da fábrica da Jeep, em Goiana, inaugurada no governo do também socialista Paulo Câmara.

Eduardo também cuidou pessoalmente de um dos programas mais inclusivos do seu Governo, o “Ganhe o Mundo” – que leva estudantes pobres para estudar no exterior durante seis meses do ano letivo –  façanha que quase nenhum pai de família de classe média consegue fazer e que continua em evidência.

Porte atlético, alto, elegante, olhos verdes, tinha um carisma pessoal contagiante. Gostava de contar piadas, de narrar histórias engraçadas do meio  político. Comparecia a aniversários, batizados, casamentos, velórios, enterros….sempre com o intuito de reforçar as alegrias dos que comemoravam alguma data ou confortar e consolar os que sofriam alguma perda. Morreu tragicamente na manhã de uma quarta-feira, 13 de agosto de 2014, num acidente de avião, em Santos, no litoral paulista.

Eduardo Campos teve a vida  interrompida aos 49 anos, no auge da sua carreira política, quando tentava realizar o sonho de ser presidente da República. Deixou no ar uma última frase ao participar de uma entrevista no Jornal Nacional, da TV Globo, na noite anterior ao acidente: “Não vamos desistir do Brasil !”.

Uma estatística cruel: Brasil chega a 100 mil mortes por coronavírus

09/08/20
Por Estadáo/blogfolhadosertao.com
Alex Pazuello/SemcomNúmero de casos e mortes continua a avançar no País – FOTO: Alex Pazuello/Semcom
Em menos de seis meses, o Brasil atingiu a marca de 100 mil mortos por coronavírus. O País contabiliza neste sábado à tarde, 8, um total de 100.240 mortes, segundo dados do levantamento realizado pelo Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL com as secretarias estaduais de Saúde. Se o País fizesse 1 minuto de silêncio em homenagem a cada vítima, teria de passar 70 dias calado. O número impressiona. É o equivalente a cair quase cinco aviões A320 lotados todos os dias, contando do primeiro óbito, em março, até hoje. Ou à capacidade de público de um estádio e meio do Morumbi, o maior de São Paulo.
Com novos casos se alastrando pelo interior, duas a cada três cidades brasileiras já perderam alguém para a covid-19. Médicos e cientistas de diferentes regiões do País afirmam ao Estadão que, para conter o avanço da doença, é preciso que as ações tenham como base um tripé: identificação e monitoramento precoce dos casos; etiqueta respiratória e cuidados pessoais; isolamento social, ou até lockdown, principalmente nos locais com alta transmissão.
Enquanto não houver vacina ou remédio com eficácia cientificamente comprovada, os pesquisadores alertam que a única saída é tentar reduzir a propagação da covid-19. Coautor do livro Viroses Emergentes no Brasil, o médico infectologista da Unicamp Rodrigo Angerami demonstra que, em tese, a lógica é simples. “Diminuindo a taxa de transmissão, haverá menor número de casos, menor número de casos potencialmente graves e, consequentemente, menor número absoluto de novos óbitos.”
Até o momento, o País atingiu o patamar de 3 milhões de casos confirmados. Para minimizar o contágio, o pesquisador cita a importância da proteção individual, como uso rotineiro de máscara e a higienização constante das mãos, além do distanciamento social. É fundamental fortalecer as ações com informações corretas, afirma. As medidas de prevenção servem não apenas para proteção individual, mas para interromper cadeias de transmissão comunitária.
Segundo Angerami, o combate à pandemia também deve focar em baixar a letalidade da doença. Esse índice varia de acordo com o Estado, chegando a 4% em São Paulo e 8% no Rio. Para isso, é imprescindível que todo paciente seja identificado e investigado laboratorialmente de modo precoce, seja avaliado e monitorado clinicamente e, se necessário, encaminhado para serviços hospitalares.
PLANO FEDERAL
De acordo com os pesquisadores, os sistemas de saúde e vigilância do País já tinham capacidade e expertise para impedir o avanço desenfreado da pandemia, mas os embates políticos atrapalharam. Outro passo, agora, deve ser implementar um plano nacional de enfrentamento ao coronavírus para corrigir o que, na visão dos pesquisadores, seria a principal falha do Brasil até aqui: o vácuo de liderança no combate à pandemia.
Começamos bem, iniciamos a quarentena no momento certo, antes de termos muitos casos, mas tivemos um presidente da República jogando contra os Estados, diz o professor de epidemiologia Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP. Em determinado momento, os governadores se sentiram pressionados e iniciaram a reabertura. Se tivéssemos feito um lockdown sério, mesmo que fosse por um período curto, de 10 ou 15 dias, teríamos tido uma redução expressiva de casos, afirma.
Coordenador do núcleo de epidemiologia e vigilância em saúde da Fiocruz Brasília, o médico Claudio Maierovitch também avalia que a falta de coordenação na área federal atrapalhou. Cinco meses depois, continuamos sem plano e sem liderança. Se tivéssemos isso, poderíamos ter bem definidas as medidas recomendáveis em cada estágio da pandemia, o que é importante se pensarmos que há situações diferentes de transmissão de acordo com a região do País.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.