05/09/20
blogfolhadosertao.com
*Ítalo Rocha Leitão
Jacqueline Kennedy estava em seus aposentos na Casa Branca, em Washington, em janeiro de 1962, quando, ao folhear seu pacote de correspondências, encontrou uma carta do longínquo Nordeste brasileiro, mais precisamente do bairro dos Coelhos, no Recife. A correspondência estava em português, com a tradução em inglês anexada. Seu remetente era um visionário, que lhe pedia ajuda para concretizar um sonho: criar um hospital para atender crianças e mulheres pobres de Pernambuco.
Dois anos antes, esse visionário se juntara a um grupo de médicos para fundar o Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (Imip). As dificuldades eram muitas. Faltava quase tudo. Só existiam o terreno, a estrutura erguida e a infinita vontade de fazer.
O Recife de 50 anos atrás ainda engatinhava rumo ao desenvolvimento. Eram pouco mais de 700 mil habitantes. Hoje, são um 1,6 milhão de moradores. Shoppings, concessionárias de veículos, redes de supermercados, faculdades particulares, espigões, indústrias de grande porte, fábrica de carro, polo médico, polo de informática. Quase nada disso existia.
A primeira-dama dos Estados Unidos estava de bom humor e gostou do que leu. O professor Fernando Figueira havia sintetizado o pedido de auxílio em poucas linhas e com um argumento infalível: “Quem tem posse e um bom coração, pode muito bem ajudar os pobres. Estejam eles onde estiverem”. E os necessitados estavam muito longe dali. A distância de quase sete mil quilômetros que separa o Recife da capital norte-americana foi vencida dois meses depois.
A mulher glamourosa, chique, bonita, personagem diária de todas as colunas sociais do mundo, casada com um dos presidentes mais populares da história política dos Estados Unidos, frequentadora das mais altas rodas da sociedade americana e europeia, deu uma paradinha na sua agitada e lotada agenda para mandar a resposta. Iria ajudar, sim. O professor Fernando Figueira poderia ficar tranquilo. Se dependesse dela, o então Instituto de Medicina Infantil de Pernambuco iria funcionar e servir à população pobre do Estado.
Na relação de pedidos constavam tensiômetros, estetoscópios, luvas e fios cirúrgicos e, com a temperatura nordestina sempre nas alturas, não haveria como faltar aparelho de ar-condicionado. A quantidade do material enviado foi tão expressiva que encheu um galpão. Começava assim uma longa história de doações para ajudar a erguer o Imip.
Meio século depois, aquele projeto que Jacqueline Bouvier Kennedy viu, de longe, nascer e se dispôs a ajudar, cresceu, curou, salvou vidas e fez com que outras viessem ao mundo. Mudou de nome para ampliar seu atendimento aos mais pobres e hoje se chama Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, numa justa homenagem àquele mesmo que escreveu para Mrs. Kennedy.
São três mil pessoas atendidas diariamente, homens, mulheres e crianças. Tudo cem por cento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cinco mil funcionários a postos, todos com carteira assinada. Sem contar com os voluntários, que sempre encontram um tempo em suas vidas para dedicar algumas horas de trabalho ao Imip.
O espaço hospitalar, que era naquela época de apenas pouco mais de 3 mil metros quadrados, hoje chega a 55 mil metros quadrados de área construída. Os 950 leitos foram ampliados com a chegada de mais 200 depois da incorporação do antigo Pedro II, que passou mais de 20 anos desativado, foi restaurado
pelo Imip e reinaugurado em agosto de 2010. Tudo isso enche de orgulho todos os que fazem parte da história do Imip.
*Ítalo Rocha Leitão é jornalista da TV Globo e integrante como voluntário da diretoria do Imip