30/01/22
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Por Ricardo Leitão*
Orçamento federal aprovado por Bolsonaro reserva para 32 órgãos controlados pelo Centrão R$ 149,6 bilhões. Além disso, deputados e senadores do PP, PL e Republicanos – principais partidos da base aliada do presidente – foram beneficiados com mais R$ 901 milhões do chamado orçamento secreto, mecanismo de distribuição de verba parlamentar sem qualquer controle público.
O Centrão é um ajuntamento de deputados e senadores de direita e extrema direita que assegura a maioria de Bolsonaro no Congresso. O total de quase R$ 150 bilhões é maior do que o Orçamento deste ano dos ministérios da Defesa (R$ 116,3 bilhões) e da Educação (R$ 137 bilhões). O Ministério da Saúde – no meio de uma pandemia – tem mais um pouco: R$ 160 bilhões. Qual a razão de tamanho privilégio do Centrão, sempre voraz por verbas e cargos públicos? São seus líderes Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, que não disfarçam ter Jair Bolsonaro na coleira.
Ao prover os famélicos, Sua Excelência investe na sua sobrevivência político-eleitoral, mas aprofunda a dependência a um ajuntamento cujos cabeças têm fichas corridas em inquéritos sobre corrupção. Os trunfos de Lira e de Nogueira são fortes. O primeiro detém o poder de abrir um processo de impeachment contra o presidente; o segundo, hábil articulador político, é peça essencial no projeto de reeleição.
O problema para Bolsonaro é a gelatinosa fidelidade do Centrão. Ela não se alimenta apenas de verbas e cargos públicos, mas também – e principalmente – de perspectiva de poder. Foi assim com Dilma Rousseff, que inicialmente recebeu os votos do ajuntamento (então em sua versão “gauche”) e os viu depois migrar alegremente para aprovar o seu impeachment.
Para o desesperado Bolsonaro são poucas as opções diante do porão do fundo do poço. Ele já abandonou o projeto inicial de tentar a reeleição no primeiro turno. Porém acredita na vitória no segundo, apostando na fórmula que o levou ao poder em 2018: representar a direita na disputa; polarizar com a esquerda radicalmente e “salvar a Pátria dos comunistas”.
No entanto, os tempos de agora são outros. A oito meses das urnas de outubro, Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato de centro-esquerda, lidera as pesquisas com folga e pode vencer no primeiro turno. Pelo centro-direita avança Sergio Moro, atraindo votos até no bolsonarismo não-raivoso, que identificaria no ex-juiz a melhor opção para enfrentar Lula no segundo turno.
Onde estão, portanto, os votos que garantem a passagem de Jair Bolsonaro para o segundo turno? Quantos são? De acordo com os cálculos bolsonaristas será necessário iniciar a campanha presidencial com um piso de 25% de apoio para Sua Excelência chegar ao segundo turno. É o índice que hoje as pesquisas eleitorais dão a Bolsonaro, as mesmas que cravam 45%, em média, para Lula. O desafio do presidente é não despencar desse piso, em meio à pandemia; à inflação; ao desemprego; à degradação ambiental; à estagnação econômica; à corrupção. Nenhum desses gravíssimos problemas nacionais será solucionado antes da eleição. Todos tendem a se agravar por decisões de um desgoverno sem precedentes.
Apesar de tudo, não se aposta, por enquanto, na desistência de Bolsonaro da reeleição, mesmo se crescer o seu desespero na busca por um mandato – o que o protegeria da prisão. Os feitos de Sua Excelência estão sob investigação da Polícia Federal, especialmente os apurados pela CPI da Pandemia.
Ele se resguarda em todas as frentes. Acreditando ter o flanco parlamentar coberto pela tropa do Centrão, investe nos eleitores mais pobres, com o lançamento do Auxílio Brasil. Programa de repartição de renda, que doa cerca de R$ 400,00 mensais a famílias de baixa renda, a iniciativa tem óbvio objetivo eleitoral: concentra-se no Nordeste, onde é maior o apoio a Lula, e valerá só até o final do ano. É dever do Estado assegurar aos pobres tudo o que lhes garante a Constituição. Contudo não é isso o Auxílio Brasil.
A demagogia igualmente prevalece na intenção do presidente de propor emenda constitucional para redução temporária de tributos sobre combustíveis e energia elétrica, que majoram os transportes e as contas residenciais. O anúncio do benefício foi feito de improviso, sem qualquer debate técnico ou acordo político, em tentativa de Bolsonaro abafar as queixas da população sobre os preços altos. Para ser aprovada, a emenda constitucional requer 60% dos votos dos deputados federais e senadores. Apesar do apelo eleitoral seria difícil sua aprovação em meio a uma campanha. Irrelevante para Sua Excelência: foi o bastante propor a emenda para se apresentar como “defensor dos pobres”.
Com o apoio popular cada vez menor, afogando-se no porão do poço, o que resta a Jair Bolsonaro? Talvez novas férias, dessa vez na serra, não mais no litoral, para melhor refletir sobre o seu futuro, inspirado pelo espírito de Olavo de Carvalho. Nessa hora de profunda reflexão aportarão em seus ouvidos as lamúrias e os incentivos de antigos áulicos. Reiterarão que é impossível vencer porque a fraude eleitoral já está arquitetada e o único caminho será bater nos portões dos quartéis – ou seja: retomar as articulações de um golpe de Estado.
Bolsonaro apoiou e ainda hoje defende o Golpe de 1964. Nunca teve, não tem e não terá qualquer compromisso com a democracia. Nas solenidades do Sete de Setembro, em 2020, fez discursos golpistas em Brasília e em São Paulo, com péssima repercussão, inclusive nas Forças Armadas. Mas não vai deixar se afogar no porão do poço sem ao menos tentar se agarrar na derradeira bóia.
Se em abril, a seis meses das urnas de outubro, o desespero o possuir de vez, ele convocará o que restar de sua tropa e atacará o futuro. É um homem perigoso e sobre seus passos é imprescindível toda vigilância.
*Ricardo Leitão é Jornalista