Aprazíveis férias presidenciais

05/01/22

blogfolhadosertao.com.br

 

Por Ricardo Leitão*

 

 

 

O mês passado foi o mais chuvoso na Bahia desde dezembro de 1989. As tempestades e enchentes deixaram 132 cidades em situação de emergência, o que corresponde a um terço dos 417 municípios do estado. O total de mortos chegou a 24; o total de feridos é de 434. São 37 mil os desabrigados e 54 mil os desalojados. O governo baiano estima que 629 mil pessoas foram afetadas pelas torrentes.

Durante todo o mês de dezembro, enquanto o sul da Bahia – a região mais atingida – era tomado pelas inundações, o presidente Jair Bolsonaro navegava em aprazíveis águas litorâneas: primeiro, no litoral de São Paulo, depois no litoral de Santa Catarina. Pescou, pilotou um jet ski, dançou funk e debochou quando alertado sobre a tragédia: “Será que vou ter de interromper as minhas férias?” Totalmente apartado da dor dos milhares de brasileiros, não abandonou o funk, a pesca e o jet ski. Normal: também não visitou nenhum hospital de infectados pela covid-19.

Há expectativa se Bolsonaro vai manter em funcionamento o seu parque de diversões quando as tempestades atingirem Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, o que deve logo ocorrer – segundo os meteorologistas. São os três maiores colégios eleitorais no País e, caso se repita a omissão escandalosa que ocorreu na Bahia, sem dúvida haverá danos para Sua Excelência na disputa presidencial de 2022.

Para o risco do dano Bolsonaro foi alertado até por assessores do Palácio do Planalto – sem sucesso. É como se precisassem lembrar que, durante os três primeiros anos de seu desgoverno, a regra – em desastres, na pandemia ou em qualquer tragédia que precisasse de solidariedade à vida humana – fosse menosprezar o sentimento do próximo. Trata-se de um desvio (psicótico?) que só agrava a conjuntura conturbada, a ponto de alguns sugerirem não um feliz 2022 mas um feliz 2023. A ironia intitulou um artigo do economista Pedro Malan, escrito ao fim de 1982. Nele, Malan previu que o ano de 1983 seria tão difícil que era melhor desejar logo um feliz 1984.

A ironia vale para o desgoverno de Bolsonaro em 2022, o decisivo ano eleitoral. Os bons sinais do início de 2021 foram logo contrariados pela inflação, retração do crescimento econômico e desemprego. Para este ano, a previsão do crescimento é inferior a 1%, com a inflação acima do limite da meta de 4,5% e um contingente de 13 milhões de desempregados. O ano de 2021 terminou sem as reformas estruturais; com o País em recessão técnica; a Bolsa de Valores com um dos piores desempenhos do mundo e o real batendo recordes de desvalorização em relação ao dólar. Instabilidade e incerteza dominam o cenário, enquadrado por uma eleição de resultados imprevisíveis.

O Brasil tem à frente o enorme desafio de se reconstruir, que para ser vencido exige união nacional, diálogo democrático, planejamento e lideranças. Nada disso há sob o desgoverno de Jair Bolsonaro, que divide os brasileiros, bloqueia o diálogo, ameaça a democracia e é desprovido de planejamento. Ademais, Sua Excelência nada lidera e fracassa até nas articulações toscas de um golpe de Estado.

Um golpe cada vez mais parece ser o que lhe resta diante da desidratação eleitoral prevista pelas pesquisas. Provocar, tumultuar, afrontar, duvidar do sistema eleitoral – como faz repetidamente – seriam maneiras de abrir caminho para atos antidemocráticos. No melhor estilo do seu ídolo, Donald Trump, que estimulou a invasão do Congresso dos Estados Unidos para impedir a posse de seu adversário, Joe Biden.

A tentativa de golpe de Trump foi abortada, como se sabe, deixando mortos, feridos e mais de 600 presos. O mesmo se deu com a manobra golpista de Bolsonaro, ao insuflar a desobediência ao Supremo Tribunal Federal, em discursos no Sete de Setembro de 2021. Trump está sendo investigado; Bolsonaro, ainda não. Dessa forma, pode se considerar até inocente, com razão e direito de tentar de novo um golpe, mediante um planejamento mais detalhado nas próximas férias.

 

  • Ricardo Leitão é jornalista

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