Equipe do Gaeco acusou a magistrada Andréa Calado de praticar “abusos” no processo que apura prática ilegal de jogos de azar e lavagem de dinheiro
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) perdeu na queda de braço com a juíza Andréa Calado da Cruz, titular da 12ª Vara Criminal da Capital. O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) negou a liminar apresentada por promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que acusaram a magistrada de “abusos”, usurpação de funções que cabem ao órgão ministerial e até falta de urbanidade nas decisões a respeito da Operação Integration, que apura crimes de prática ilegal de jogos de azar e lavagem de dinheiro.
O embate dos promotores do Gaeco contra a juíza se intensificou após ela negar o pedido de arquivamento parcial da investigação, que tem entre os alvos o cantor Gusttavo Lima e a influenciadora digital Deolane Bezerra.
Para o MPPE, não há provas de crime de lavagem de dinheiro na venda de uma aeronave do cantor, que foi adquirida inicialmente pela casa de apostas pernambucana Esportes da Sorte (posteriormente devolvida por uma suposta falha) e depois vendida para a paraibana Vai de Bet (empresa que Lima passou a ser sócio). Para os promotores, também não foram encontrados indícios de relações financeiras entre as duas empresas.
Na decisão, a magistrada negou o arquivamento e disse que havia indícios de crime de lavagem de dinheiro e encaminhou os autos para avaliação do procurador-geral de Justiça.
Como autor da ação penal, o MPPE alegou ao TJPE que a juíza estaria usurpando funções que não cabem à Justiça. Ao analisar o pedido de liminar, o desembargador Demócrito Reinaldo Filho discordou dessa e de todas as outras acusações.
“Ao meu sentir, a decisão proferida pela magistrada da 12ª Vara Criminal não cria essa situação. Primeiro porque, ao contrário do que alega o corrigente, ela não usurpa e nem procura suprimir função ou atividade exclusiva do órgão ministerial”, pontuou, na decisão, obtida pela coluna Segurança.
No pedido de liminar, os promotores do Gaeco reclamaram que a juíza comete “erro grave, motivado pela aparente falta de isenção”, ao “pretender impor o oferecimento da denúncia” contra os investigados. Afirma que a magistrada pretende “imprimir o início de uma ação penal sem a reunião de todos os
elementos que minimamente assegurem a plenitude do exercício do jus puniendi estatal”.
O desembargador, porém, destacou que a magistrada intimou o MPPE para que, em cinco dias, “oferecesse denúncia, promovesse o arquivamento da investigação ou requeresse novas diligências”.
Na avaliação dele, a juíza deu “total abertura” para que o MPPE “pudesse atuar livremente e com ampla possibilidade de definir o caminho processual a ser seguido”.
“Não houve, por conseguinte, qualquer impedimento ao pleno exercício das funções do Ministério Público”, ressaltou o desembargador.
Os promotores também declararam que a juíza praticou “insultos, ofensas e insinuações” contra a atuação do órgão ministerial, “atitude incompatível com a postura exigível de quem tem a obrigação da imparcialidade”.
O desembargador do TJPE também foi contrário à tese.
“Não considero que a magistrada tenha tratado de maneira desrespeitosa o órgão ministerial ou faltado com o dever de urbanidade. O que se dá a perceber da decisão guerreada é que apenas a juíza interpreta fatos processuais diferentemente do órgão ministerial, o que é normal acontecer. Da leitura da decisão profligada, não se observa que a magistrada tenha desfechado ‘insultos, ofensas e insinuações’ contra a atuação do órgão ministerial, nem que tenha perdido a imparcialidade necessária à condução do processo”, afirmou, na decisão.
MPPE CONVOCOU IMPRENSA PARA QUESTIONAR INVESTIGAÇÃO E CRITICAR JUÍZA
Em um atípico e questionável movimento, os promotores do Gaeco concederam uma entrevista à TV Globo na semana passada para afirmar que ainda não haviam encontrado indícios de crime de lavagem de dinheiro contra os indiciados na Operação Integration. Também demonstraram incômodo com as decisões da juíza Andréa Calado.
Somente dias depois, nessa segunda-feira (9), os promotores também falaram com os outros veículos de imprensa para reforçar a suposta falta de provas e ainda criticaram a magistrada por ter determinado prisões, inclusive a de Gusttavo Lima, sem o conhecimento prévio do MPPE. Apesar disso, o próprio coordenador do Gaeco, Roberto Brayner, reconheceu que a juíza não praticou uma ilegalidade.
Sobre as provas de crimes atribuídas aos indiciados da Operação Integration, o MPPE argumentou que leis, promulgadas em 2018 e 2023, deixaram de classificar as apostas online como contravenções penais.
“Eu não posso imputar crime de lavagem de dinheiro tendo como infração antecedente a atividade das bets porque o Congresso Nacional aprovou duas leis que derrogaram em parte a lei da contravenção penal, especificamente o artigo 50, que trata da lei das apostas. Para eu dizer que o dinheiro que uma pessoa conseguiu e ocultou é lavagem de dinheiro, preciso apontar pelo menos um indício de crime antecedente, dizer que aquele dinheiro tem origem em ilícito penal”, avaliou Brayner.
Segundo ele, a investigação da Polícia Civil partiu da premissa de que a atividade das bets permaneciam em vigor como contravenção.
“Não há indício suficiente de que há jogo do bicho envolvido com essa empresa [Vai de Bet]. Nós estamos muito seguros em relação a isso. Não há como imputar lavagem de dinheiro se esse dinheiro é proveniente exclusivamente das bets”, completou.
Por outro lado, Brayner acrescentou que há indícios de que a empresa Esportes da Sorte tem relação com jogo do bicho, e que, como a prática é considerada contravenção penal, a investigação sobre a acusação de lavagem de dinheiro em relação a essa companhia deve ser mantida.
O Gaeco alegou que aguarda informações da quebra de sigilo bancário dos investigados para decidir se vai enviar denúncia à Justiça. Os dados estão sob avaliação da Polícia Civil de Pernambuco. É importante destacar também que o próprio Gaeco poderia ajudar nessa análise, já que também conta com tecnologia para isso.
O QUE DIZ A POLÍCIA CIVIL?
Em nota à imprensa, após a coletiva do MPPE, a Polícia Civil de Pernambuco argumentou que as leis aprovadas estabelecem que as empresas brasileiras serão autorizadas a funcionar no país a partir de 1º de janeiro de 2025, desde que tenham o aval da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.
“As empresas investigadas na Operação Integration sempre funcionaram no Brasil e não no exterior, a despeito de alegação de que seriam sediadas em Curaçao. Constatou-se que essas empresas pertencem ao brasileiros investigados – conforme consta na declaração do Imposto de Renda dos CEOs, os quais nunca sequer estiveram em Curaçao”, disse a nota.
“Há indícios que o retorno dos valores enviados ao exterior – que correspondem a ganhos dos sócios – vem por meio de empresas que ‘prestam’ atividade de publicidade e eventos dos sócios das empresas. Entretanto, a investigação identificou que o valor pago é verdadeiramente realizado pelas instituições de pagamento que operam nos sites das empresas brasileiras, que não têm vínculo com a empresa em Curaçao”, afirmou outro trecho.
“As empresas prestadoras de serviços são submetidas à tributação com base no lucro real ou presumido e devem fornecer informações sobre os serviços prestados mediante preenchimento da Escrituração Fiscal Digital Contribuições. Ainda deveria haver retenção do Imposto de Renda na fonte, o que também não foi feito”, afirmou a PCPE.
“A investigação conduzida pela PCPE concluiu que os fatos imputados configuraram, determinantemente, contravenção penal de jogos de azar, infração penal antecedente – como a do jogo do bicho – à lavagem de capitais”, finalizou.