22/03/22
Por Chico Alves /Uol
blogfolhadosertao.com.br
Presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Educação, Milton RibeiroImagem: Clauber Cleber Caetano/PR
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Especialista em fazer afirmações sem lastro na realidade, o presidente Jair Bolsonaro (PL) repete à exaustão que não há corrupção no seu governo. Acredita firmemente na fórmula popularizada por Joseph Goebells, braço direito de Hitler, segundo a qual uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Esse recurso clichê serve para enganar parte do público bolsonarista capaz de acreditar em cloroquina, terraplanismo e vírus chinês, mas de uma maneira geral essas declarações soam como realmente são: mentiras. A lenda do governo incorruptível é mais uma lorota rebatida pelos fatos.
A mais recente denúncia de corrupção contra o governo está exposta em duas matérias de peso. A primeira, de autoria dos jornalistas Breno Pires, Felipe Frazão e Julia Affonso, do Estado de S. Paulo, mostrou que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, tem um gabinete paralelo composto por pastores evangélicos de fora do governo que controlam a verba e a agenda do Ministério da Educação.
Nova matéria, de autoria de Paulo Saldaña, publicada na Folha de S. Paulo, confirma essa privatização celestial dos recursos públicos com um áudio revelador.
Na conversa gravada, Ribeiro diz que entre as prioridades de sua pasta está o atendimento das demandas dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que, pelo menos desde janeiro do ano passado, têm intermediado o repasse de recursos federais para prefeituras em obras de creches e escolas, quadras e compra de equipamentos de tecnologia. O ministro diz na gravação quem indicou os intermediários: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”.
A ser verdade o que o próprio ministro diz no áudio, Bolsonaro deu uma espécie de procuração informal para que pastores indiquem quais prefeitos vão receber recursos públicos. Ribeiro diz que isso é feito em troca de “apoio sobre a construção de igrejas”. A terceirização da gestão combina com a fala do presidente em encontro com pastores evangélicos no início do mês, quando disse que dirige a nação “para o lado que os senhores assim desejarem”.
O escândalo é mais um para a lista do governo “incorruptível”.
A seguir, uma amostra de cambalachos que vieram à tona na gestão atual:
– Com o chamado orçamento secreto, Bolsonaro liberou bilhões em emendas que são decididas não mais pelo Poder Executivo, mas por Arthur Lira (PP-AL) e outros próceres do Centrão. Curioso ver como quem reclamava do Mensalão hoje naturaliza o maior “toma lá, da cá” da história, feito com recursos que não podem ser fiscalizados pela sociedade. Segundo suspeitas da Polícia Federal, parte do dinheiro das emendas foi parar no bolso de políticos — como é o caso do deputado Josimar Maranhãozinho, pré-candidato a governador pelo PL do Maranhão, preso com maços de cédulas.
– O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles saiu do governo depois de ser denunciado ao Supremo Tribunal Federal por envolvimento em contrabando de madeira. Seguindo o curioso parâmetro de moralidade de Bolsonaro, Salles deverá ser o candidato escolhido pelo presidente para concorrer ao Senado pelo PL de São Paulo.
– O Tribunal de Contas da União investiga licitações em que a empresa Sulminas forneceu ao Exército matéria-prima para a produção de cloroquina. Segundo o TCU, os valores pagos são três vezes maiores que os praticados no mercado.
– O TCU também está fazendo auditoria nos contratos da União em que o FIB Bank atuou como garantidor de 50 empresas, somando mais de R$ 610 milhões em fiança de contratos com a União. Os senadores da CPI da Covid apontaram ilegalidades no FIB Bank (que apesar do nome não é um banco) ao investigarem as maracutaias no contrato de aquisição da vacina Covaxin.
Isso para não falar sobre as denúncias de rachadinha que pesam contra os filhos presidenciais Flávio e Carlos, além do próprio Jair, que teria sido adepto da prática nos tempos de deputado. Esses escândalos familiares servem para desqualificar o discurso moralista do grupo que chegou ao poder, mas não teria nada a ver com o governo, não fossem os seguidos esforços do presidente para interferir na Polícia Federal, justamente em setores que investigam seus filhos. Além disso, Bolsonaro determinou à Receita Federal que buscasse informações para auxiliar na defesa de Flávio — uma aberração total.
Essas atitudes não combinam com alguém que pretende ser herói no combate às maracutaias.
Obviamente, o presidente e os bolsonaristas continuarão a repetir que não há corrupção no governo. Eles não precisam da realidade, seguem em frente em seu mundo imaginário, onde os fatos não têm a mínima importância.
Mais trágico que isso é que o procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem o dever de acionar Bolsonaro e os integrantes do governo, também age como se vivesse nessa realidade virtual.
Infelizmente, as consequências do devaneio bolsonarista são bem concretas para o país. As negociatas que as duas reportagens expuseram no Ministério da Educação dão a medida da lama em que estamos enfiados.