ARTIGO: Um alerta global

13/07/20

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COVID-19, em junho de 2020. Foto: Evan Schneider/ UN Foto

Secretário-geral da ONU, António Guterres, participa de evento virtual durante a pandemia da COVID-19, em junho de 2020. Foto: Evan Schneider/ UN Foto

Em artigo de opinião publicado no jornal Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (10), o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alerta para a necessidade de união dos líderes de todo o mundo para superar os desafios múltiplos que os países enfrentam: a pandemia da COVID-19, as mudanças climáticas, a injustiça racial e o aumento das desigualdades. Ele traça dois cenários possíveis pós-pandemia e defende um multilateralismo em rede, inclusivo e eficaz.

Leia a íntegra:

O mundo enfrenta tempos turbulentos por múltiplos fatores: a pandemia da COVID-19, as perturbações climáticas, a injustiça racial e o aumento das desigualdades.

Ao mesmo tempo, a comunidade internacional tem uma visão estruturada e duradoura, consolidada na Carta das Nações Unidas, que celebra o 75º aniversário. Essa visão traduz uma aspiração a um futuro melhor, ancorado em igualdade, respeito mútuo e cooperação internacional, e nos ajudou a evitar uma 3ª Guerra Mundial que teria consequências catastróficas para a humanidade e para o planeta.

O desafio que hoje partilhamos convoca, de novo, essa mesma visão. A pandemia expôs desigualdades severas e sistêmicas. Evidencia fragilidades: na resposta à emergência sanitária e de saúde e à crise climática, no vazio legal em matéria de ciberespaço e nos riscos de proliferação nuclear. As populações estão perdendo confiança nas instituições e nos sistemas políticos.

Esse quadro é agravado por conflitos que se prolongam, números recordes de pessoas forçadas a abandonar suas casas, pragas de gafanhotos e secas iminentes, em meio a crescentes tensões geopolíticas.

Perante essas fragilidades, pede-se humildade aos líderes mundiais e o reconhecimento da importância vital da unidade e da solidariedade. Ninguém é capaz de prever o que nos espera, mas posso antecipar dois cenários distintos.

Num cenário “otimista”, o mundo seria bem-sucedido. Os países do hemisfério norte conseguiriam delinear, com êxito, uma saída para a crise. Países em desenvolvimento receberiam apoio, e sua jovem população ajudaria a mitigar o impacto. Em alguns meses, uma “vacina do povo” seria distribuída, disponível e acessível a todos. Se isso acontecesse e se a economia arrancasse, poderíamos prever alguma normalidade dentro de dois ou três anos.

Num cenário mais sombrio, a coordenação da ação entre Estados falha, novos surtos do vírus surgem, a situação no mundo em desenvolvimento explode, a pesquisa da vacina demora a produzir resultados ou fica sujeita a uma forte concorrência, permitindo que países com maior poder econômico ganhem primazia no acesso.

Neste cenário poderíamos assistir a um crescente movimento de fragmentação, populismo e xenofobia. Cada país procuraria agir de forma isolada ou com alianças constituídas para fins específicos. O mundo revelar-se-ia incapaz de mobilizar a governança necessária para enfrentar desafios comuns. O resultado seria uma depressão global, que poderia durar cinco ou sete anos antes do surgimento de um novo normal, cuja natureza é impossível prever.

É muito difícil saber em qual direção estamos seguindo. Devemos nos esforçar para construir o melhor cenário, mas temos que nos preparar para o pior.

A pandemia, por mais horrível que seja, é um alerta para que os líderes políticos entendam que é necessário mudar abordagens e que a desunião é um perigo para todos. A única maneira de enfrentar as fragilidades globais é através de mecanismos mais robustos de governança global e cooperação internacional.

Temos de emergir da crise com sociedades e economias mais sustentáveis, inclusivas e que assegurem a igualdade de gênero. Devemos repensar a maneira como as nações cooperam. O multilateralismo atual não tem escala, ambição e poder — e alguns dos instrumentos que têm poder não têm revelado muita vontade para exercê-lo, como constatamos nas dificuldades enfrentadas pelo Conselho de Segurança.

Precisamos de um multilateralismo em rede, no qual as Nações Unidas e suas agências, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, organizações regionais, de comércio internacional e outras trabalhem de forma mais próxima e eficaz.

É necessário um multilateralismo mais inclusivo. Os governos não são os únicos atores em termos de política e poder. Sociedade civil, empresas, autoridades locais, cidades e governos regionais assumem mais papéis de liderança no mundo atual.

Tudo isso pode contribuir para um multilateralismo eficaz, com mecanismos para que a governança global funcione sempre que necessário.

Um novo multilateralismo em rede, inclusivo e eficaz, baseado nos valores da Carta das Nações Unidas, poderia fazer-nos despertar do sonambulismo e parar a derrocada em direção a um perigo ainda maior.

Os líderes políticos precisam entender esse alerta e se unir para lidar com as fragilidades do mundo, fortalecer a capacidade de governança global, dar força às instituições multilaterais e aproveitar o poder da unidade e da solidariedade para superar o maior teste do nosso tempo.

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