Arraes e os artistas

19/07/20

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Por Ítalo Rocha Leitão+

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O baixinho Antônio Gonçalves da Silva estava recolhido à solidão da sua modesta casa, na Serra de Santana, no pobre município de Assaré, no Sertão cearense, quando o carteiro bateu à porta com uma correspondência que mudaria a sua vida.

Aquele pequeno homem, de apenas um metro e meio, viria a ser conhecido depois em todo o  País como “Patativa do Assaré”. O remetente daquela correspondência era um jovem de 32 anos de idade chamado Miguel Arraes de Alencar , então secretário da Fazenda do Governo de Pernambuco, na gestão de Barbosa Lima Sobrinho – seu primeiro cargo público. Na correspondência, Arraes, sabedor do talento e das dificuldades financeiras do artista, destinava ao conterrâneo uma viola. E foi com esse instrumento que Patativa do Assaré tirou o sustento da família e criou seus onze filhos. Esta viola está exposta até hoje no memorial do artista, construído pelo Governo do Ceará.

Essa ligação remota de Arraes com os artistas o acompanhou durante toda a sua trajetória política. Eleito prefeito do Recife, em 1959, criou o MCP, o Movimento de Cultura Popular  que educou jovens e adultos pobres e ajudou a revelar talentos artísticos, como José Wilker, nas artes cênicas, Carlos Fernando, na música, e Wellington Virgolino, na pintura.  Ainda como prefeito, Arraes baixou um decreto que abriu o mercado para as artes plásticas até hoje: desde àquela época, todo edifício é obrigado a instalar na sua parte frontal uma obra de arte.

Em alguns dos seus discursos de posse em cargos públicos,  Arraes sempre fez questão de encerrá-los com citações poéticas.  Na primeira vez em que assumiu o Governo do Estado,  em 31 de janeiro de 1963, concluiu seu pronunciamento  citando o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. Cassado pela Ditadura Militar logo após o Golpe de 1964, Miguel Arraes e a família amargaram um longo exílio de 15 anos na Argélia, no continente africano. Pouco tempo depois do retorno, foi eleito mais uma vez para ficar à frente dos destinos de Pernambuco e encerrou seu discurso de posse, no dia 15 março de 1987, recorrendo aos versos do poeta pernambucano Joaquim Cardozo: “Sou um homem marcado, mas essas marcas temerárias, entre as cinzas das estrelas, hão de um dia se apagar”.

As músicas das campanhas de Arraes ficaram para sempre na memória da população pernambucana. Em 1986, “Ele está voltando”, música de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, teve uma versão eleitoral feita pelo jornalista Aluízio Falcão. E o frevo “Fogão”, composto em 1953 por Sérgio Lisboa, foi exaustivamente tocado nos comícios de Arraes; “Arraes, Arraes, Arraes…em 86 só vai dar Arraes”. Sem falar no jingle criado pelo compositor Limoeiro “Arraes taí” – incorporado por tudo quanto é orquestra de bairro dos municípios da Região Metropolitana do Recife e do Interior. Não podemos esquecer também de Alceu Valença, “O velho é novo e o novo é velho”, numa alusão à disputa de Arraes com Zé Múcio. E ainda do poeta Zeto do Pajeú, que emprestou sua voz aos versos que ecoaram para todo Pernambuco demarcando a volta de Arraes do exílio: “Volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu”.

*Italo Rocha Leitão é Jornalista da Rede Globo

3 comentários sobre “Arraes e os artistas”

  1. Carlos Laerte19 de julho de 2020 às 04:13Responder

    Só faltou dizer que estes versos últimos (cantados por Zeto) são de autoria de Louro do Pajeú.

    1. admin20 de julho de 2020 às 05:09Responder

      Muito bem Lembrado !

  2. Carlos Laerte19 de julho de 2020 às 04:17Responder

    Só faltou dizer que esses versos últimos, cantados por Zeto), são de autoria de Louro do Pajeú.

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