Os 50 anos da Missa do Vaqueiro de Serrita

19/07/20

Por Machado Freire/blogfolhadosertao.com

Esta foi a verdadeira Missa do Vaqueiro que o padre João Câncio criou, no centro da caatinda, no Sitio das Lages, em Serrita, ao lado de Gonzagão, Pedro Bandeira e vaqueiros da região.

 

 

Em um domingo de julho,  ensolarado como hoje, há 50 anos era celebrada a primeira Missa do Vaqueiro, no Sítio das Lages, em Serrita, pelo padre João Câncio dos Santos, ao lado de Luiz Gonzaga.E o violeiro e poeta Pedro Bandeira, que está vivo para contar a história.

 

João Câncio, querido e respeitado pelos vaqueiros

Quando meus queridos e inesquecíveis  amigos padre João Câncio, Luiz Gonzaga e Pedro Bandeira criaram a Missa do Vaqueiro, há meio século,  no Sitio Lajes, o fundamento foi a defesa do homem do campo, na pessoa do vaqueiro Raimundo Jacó e, por extensão, toda a vaqueirama e trabalhadores deste Sertão “judiado”, como dizia o sacerdote filho do barbeiro Mestre Chico, lá de Petrolina.

João Câncio era uma criatura extremamente humana, político e socialmente centrado na obra de Deus através da Igreja Católica de Dom Helder Câmara. Ora, ele foi ordenado, juntamente com meu inesquecível amigo Mansueto de Lavor, filho de Serrita, em 1964, em plena ditadura militar.

Foi assim que João Câncio dos Santos transformou-se no padre-vaqueiro, que fazia a celebração paramentado com as vestimentas do vaqueiro. E participava das vaquejadas em muitos municípios do Sertão.

O filho de Mestre Chico surpreendeu a própria Igreja quando sugeriu aos vaqueiros (durante a missa assistida por milhares de pessoas, com a participação de turistas nacionais e  estrangeiros),  que assistissem  a celebração montados nos cavalos e apresentassem seus instrumentos de trabalho – da cela até a última peça de sua vestimenta, durante o ofertório e a hóstia seria trocada pelo queijo, rapadura e farinha, alimentos básicos do homem da lida do campo.

João Câncio – que enfrentava os políticos atrasados da região de fronte erguida, resumia o verdadeiro sentido da Missa do Vaqueiro como “Um Grito de Justiça no Sertão”.

Hoje, porém, tudo isso foi esquecido…

Transformaram a missa em uma coisa que trata de despesas, de dinheiro, contratação de artistas, aluguel caro de barracas e até cobrança de estacionamento dos familiares dos vaqueiros que tanto foram defendidos por João Câncio.

Eu continuo com o compromisso de não deixar que enterrem em “cova rasa” a memória e o sentimento cristão daqueles que fundaram a Missa do Vaqueiro do Sítio Lajes.

Viva João Câncio e Luiz Gonzaga. Um forte abraço ao meu amigo Pedro Bandeira, hoje com a saúde abalada, mas que deve mais uma vez comparecer ao altar de pedra do Sitio Lajes nos próximos  anos (depois da pandemia do novo coronavírus) , lembrando nosso primeiro encontro ali no centro das caatingas, onde os vaqueiros Raimundo Jacó Mendes e Miguel Lopes (acusado de matar seu colega) trabalhavam para os fazendeiros São do Alferes e dona Tereza.

Arraes e os artistas

19/07/20

Blogfolhadosertao.com

Por Ítalo Rocha Leitão+

arraes1-e1389388036603

O baixinho Antônio Gonçalves da Silva estava recolhido à solidão da sua modesta casa, na Serra de Santana, no pobre município de Assaré, no Sertão cearense, quando o carteiro bateu à porta com uma correspondência que mudaria a sua vida.

Aquele pequeno homem, de apenas um metro e meio, viria a ser conhecido depois em todo o  País como “Patativa do Assaré”. O remetente daquela correspondência era um jovem de 32 anos de idade chamado Miguel Arraes de Alencar , então secretário da Fazenda do Governo de Pernambuco, na gestão de Barbosa Lima Sobrinho – seu primeiro cargo público. Na correspondência, Arraes, sabedor do talento e das dificuldades financeiras do artista, destinava ao conterrâneo uma viola. E foi com esse instrumento que Patativa do Assaré tirou o sustento da família e criou seus onze filhos. Esta viola está exposta até hoje no memorial do artista, construído pelo Governo do Ceará.

Essa ligação remota de Arraes com os artistas o acompanhou durante toda a sua trajetória política. Eleito prefeito do Recife, em 1959, criou o MCP, o Movimento de Cultura Popular  que educou jovens e adultos pobres e ajudou a revelar talentos artísticos, como José Wilker, nas artes cênicas, Carlos Fernando, na música, e Wellington Virgolino, na pintura.  Ainda como prefeito, Arraes baixou um decreto que abriu o mercado para as artes plásticas até hoje: desde àquela época, todo edifício é obrigado a instalar na sua parte frontal uma obra de arte.

Em alguns dos seus discursos de posse em cargos públicos,  Arraes sempre fez questão de encerrá-los com citações poéticas.  Na primeira vez em que assumiu o Governo do Estado,  em 31 de janeiro de 1963, concluiu seu pronunciamento  citando o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. Cassado pela Ditadura Militar logo após o Golpe de 1964, Miguel Arraes e a família amargaram um longo exílio de 15 anos na Argélia, no continente africano. Pouco tempo depois do retorno, foi eleito mais uma vez para ficar à frente dos destinos de Pernambuco e encerrou seu discurso de posse, no dia 15 março de 1987, recorrendo aos versos do poeta pernambucano Joaquim Cardozo: “Sou um homem marcado, mas essas marcas temerárias, entre as cinzas das estrelas, hão de um dia se apagar”.

As músicas das campanhas de Arraes ficaram para sempre na memória da população pernambucana. Em 1986, “Ele está voltando”, música de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, teve uma versão eleitoral feita pelo jornalista Aluízio Falcão. E o frevo “Fogão”, composto em 1953 por Sérgio Lisboa, foi exaustivamente tocado nos comícios de Arraes; “Arraes, Arraes, Arraes…em 86 só vai dar Arraes”. Sem falar no jingle criado pelo compositor Limoeiro “Arraes taí” – incorporado por tudo quanto é orquestra de bairro dos municípios da Região Metropolitana do Recife e do Interior. Não podemos esquecer também de Alceu Valença, “O velho é novo e o novo é velho”, numa alusão à disputa de Arraes com Zé Múcio. E ainda do poeta Zeto do Pajeú, que emprestou sua voz aos versos que ecoaram para todo Pernambuco demarcando a volta de Arraes do exílio: “Volta Arraes ao Palácio das Princesas, vai entrar pela porta que saiu”.

*Italo Rocha Leitão é Jornalista da Rede Globo