Especial de domingo: Arraes e Olof Palme

19/06/22

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Por Ítalo Rocha Leitão*

 

Era manhã do sábado, 1º de março de 1986. Os jornalistas da TV Globo Recife se preparavam para mais um dia de plantão na redação da emissora, em Olinda. O telefone deu seus primeiros toques do dia. O editor Fernando Buarque correu para atender – atitude rotineira em qualquer redação do mundo. Mesmo hoje, com o advento da Internet, as notícias ainda não se divorciaram do Graham Bell. Do outro lado da linha, com uma voz grave e pouco audível, veio a identificação: “Aqui é Arraes, gostaria de passar uma notícia aí pra vocês da Globo”.

 

Nos seus mais de 50 anos de vida pública como secretário da Fazenda, deputado estadual e federal, prefeito do Recife e governador de Pernambuco por três mandatos, Miguel Arraes de Alencar nunca foi de ligar pra redação de jornal, rádio ou TV. Não por arrogância ou orgulho – esses defeitos estavam a anos-luz de distância dele. Ser arredio com a mídia era da sua personalidade.   Mas naquele sábado, o líder político mudou a postura. Numa época em que não havia blogs, portais e outras mídias sociais, as notícias andavam a passos de tartaruga. “Morreu nesta madrugada, depois de ter sido baleado, o primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme”, disse Arraes por telefone. Em seguida, agradeceu a acolhida do editor e se despediu.

Miguel Arraes conheceu Olof Palme quando estava no exílio depois de ter sido deposto do cargo de governador de Pernambuco pelo golpe de 64. O encontro foi durante um congresso sobre direitos humanos, em Paris. A afinidade se deu de imediato. O jovem político Olof Palme já despontava como uma liderança afinada com o pensamento da esquerda europeia.

A justiça social, a igualdade e a pregação pela paz faziam parte dos seus ideais e o transformaram depois num dos maiores líderes da social-democracia sueca. Foi responsável por ter levado o seu acanhado país para o cenário político internacional ao abordar temas como o socialismo, o fim das guerras e a solidariedade. Assumiu também posturas contra a política belicosa dos Estados Unidos, condenou a invasão do Vietnã e defendeu de forma veemente o apoio dos países ricos à luta pela libertação dos povos oprimidos do Terceiro Mundo.

Era esta também a linha do pensamento político de Miguel Arraes, que amargou ao lado da família um exílio de 15 anos na Argélia, no Nordeste da África. Arraes morreu em 2005, aos 88 anos, sem nunca ter se afastado dos seus ideais de esquerda e cultuou a amizade com Olof Palme até os últimos dias de vida do líder sueco.

O social-democrata Olof Palme morreu como primeiro-ministro da Suécia, aos 59 anos, no auge da sua popularidade. Saía do cinema, no centro de Estocolmo, sem segurança, ao lado da esposa, quando foi alvejado com um tiro nas costas. O processo que apura a morte dele tem 25 milhões de páginas e já contou com o trabalho de 300 investigadores. Há dois anos, promotores públicos suecos apontaram o homem que eles dizem ter assassinado o ex-premiê Olof Palme. Seria Stig Engstrom, um designer gráfico que se suicidou no ano 2000. As causas do crime continuam um mistério.

*Ítalo Rocha Leitao é jornalista

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