Especial de domingo: Jair “Le Pen” Bolsonaro?

01/05/22

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Ricardo Leitão*

 

Emmanuel Macron, candidato do centro à presidência da França, se reelegeu com 58% dos votos, no segundo turno, ante os 42% de Marine Le Pen, candidata da direita. No entanto, quem mais comemorou o resultado foi Marine Le Pen: “Essa votação foi uma tremenda vitória”, disse. “Vamos continuar o trabalho e conquistar a maioria nas eleições legislativas de junho”.

 

Marine tem motivos para comemorar. Filha de Jean-Marie Le Pen – candidato derrotado em cinco disputas presidenciais, desde 2002 –, ela, com seus 42%, atingiu o maior percentual da direita francesa em pleitos presidenciais nos últimos 20 anos. Em 2002 seu pai recebeu apenas 18% dos votos, ao enfrentar o conservador Giscard d’Estaing, sob a acusação de racista, xenófobo e simpatizante do nazismo. Marine refinou o discurso, sem se apartar da base conservadora, e terminou votada até por eleitores jovens. Caso mantenha o desempenho, é forte candidata a vencer as eleições presidenciais de 2027, na sucessão de Macron.

Carismática, com boa oratória, ultranacionalista, o que fez essa senhora que ama gatos e detesta comunista? Descartou o discurso radical do pai, se aproximou de setores do centro e – principalmente – trouxe para o debate na campanha os problemas centrais dos franceses: inflação, desemprego, previdência social, imigração e o enfraquecimento da liderança da França na União Europeia. Enquanto isso, Macron se desdobrava como mediador na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, só mergulhando na disputa nas últimas semanas – quando o avanço da direita já se consolidara.

O que haverá de comum entre Jair Bolsonaro, degustador de pão com doce de leite, e a sofisticada cozinha parisiense? De princípio, nada. Porém, talvez inconscientemente, Sua Excelência esteja trilhando caminhos semelhantes aos de Marine Le Pen. À parte recaídas autoritárias – como o perdão ao deputado-miliciano Daniel Silveira –, Bolsonaro vem civilizando o seu discurso e anunciando, ao final do desgoverno, um inusitado compromisso com os brasileiros mais pobres.

Disso são exemplos o aumento do número de beneficiários do Auxílio Brasil, programa federal de transferência de renda; a antecipação do 13º salário dos aposentados pela Previdência; liberação de contas do FGTS e de mais créditos nos bancos oficiais; ampliação dos percentuais das operações com empréstimos consignados. A estimativa é que os benefícios somam cerca de R$ 160 bilhões.

O efeito eleitoral junto à população mais pobre – merecedora de todo o apoio do governo – é previsível e, nesse sentido, Jair Bolsonaro se aproxima de Marine Le Pen. Na França, com seu discurso nacionalista e populista, a candidata da direita tenta conquistar o poder; no Brasil, o candidato da direita tenta se manter no poder, adotando medidas de grandes repercussões financeiras para o País. Porém entre os dois há uma diferença fundamental: Marine Le Pen faz política dentro das regras democráticas; Jair Bolsonaro se considera acima das regras, em uma escalada autoritária que o leva a ameaçar a democracia com um golpe de Estado.

Como deter Bolsonaro, o bolsonarismo e a direita selvagem que toma conta do desgoverno e tenta dominar o Brasil?

A França ensina. Desde 2002, quando Jean-Marie Le Pen passou pela primeira vez para o segundo turno presidencial, todos os partidos de centro e de esquerda tiveram a consciência de se unir e derrotar a direita. E assim se repetiu nas cinco vezes que o patriarca direitista tentou a presidência e nas três vezes em que sua filha também se lançou candidata – embora com melhores votações, apesar de também derrotada.

Jair Bolsonaro é uma ameaça maior à democracia, no Brasil, do que os Le Pen, na França. Lá, a consciência das forças progressistas foi capaz, até agora, de conter a direita. E aqui? É possível que consciência igual se forme, se consolide e derrote Bolsonaro, na hipótese de ele chegar ao segundo turno?

Não há respostas assertivas. Uma construção política dessa amplitude equivale a um pacto pluripartidário anti-Bolsonaro, em defesa da democracia e do futuro do Brasil. Quem tem estatura para propor e liderar esse processo?

*Ricardo Leitão é jornalista

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