O que as secas nos ensinam

12/12/21
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Geraldo Eugênio1

 

Lição 1.  A ninguém interessa notícias desagradáveis, mesmo que sejam reais

                O interessante é que se formos rever os programas de governo dos candidatos que foram a segundo turno nas últimas eleições presidenciais, nenhum deles tocou no assunto secas. Chegaram a vir ao Nordeste, usar o chapéu de couro, alguns até vestiram um gibão e comeram bode assado. Prometeram fazer chover, trazer tecnologias do exterior, mas o fundamental não foi tocado: como gerir uma situação de crise permanente como é o caso da ocorrência de secas no semiárido nordestino.

                A seca tudo destrói, mas havendo alguma chuva, tudo volta ao normal, inclusive os que vivem nos sertões. Planta-se a roça. Colhe-se o pouco feijão, o milho, a criação consegue sobreviver e esqueça o que passou. Poupemos nossas energias para casos futuros.

Lição 2. A mais inócua forma de não se ressorver um problema é criar uma comissão de alto nível

                A seca toma conta, decretos de emergência são publicados, os prefeitos vibram. Podem gastar a vontade, sem controle. Na primeira reunião da comissão, aquela em que a imprensa, apesar de saber que não vai dar em nada, cobre, aparecem um ou dois secretários. Normalmente de pastas que pouco tem a ver com o caso. Algum prefeito que, na capital, está à procura do que fazer, representantes de órgãos públicos, ong´s, curiosos.

                Segunda reunião. Os secretários sabendo que não há imprensa já não se fazem presentes. Manda algum representante que chega na reunião sem saber do que se trata. Muda-se de assunto a cada meia hora. Pede-se cestas básicas, ajuda humanitária e volte e meia alguém insiste em falar sobre a tecnologia mais avançada, o carro pipa.

Lição 3. A seca é um ótimo negócio

                Depois de um certo grita-grita, emendas são liberadas, poços não são abertos, nem recuperados. Barreiros não são desassoreados, cisternas não foram concluídas, as calhas não foram revendidas, mas o recurso evapora. Afinal, a evapotranspiração no sertão é três vezes maior do que a chuva que cai.

                Estabelece-se a guerra e acusações. O governo federal diz que enviou o dinheiro, que não era dele, o governador diz que o que recebeu já estava no orçamento. O prefeito está preocupado com o auxílio emergencial e querendo não ver a irmã que cobra o aluguel do carro pipa do filho. A seca castiga e a festa continua.

Lição 4. Não é o governo estúpido que resolve a bronca é a sociedade

                 Este título parece brincadeira ou gozação. Se o governo que tem dinheiro não resolve, muito menos este ente etéreo chamada sociedade. Mas alguém disse que foi assim que outros países com secas resolveram a parada. O que foi feito, então?

                Criou-se uma instância de deliberação com membros da sociedade civil (sindicatos, federações, ong´s, universidades), governo (poucos representantes de cada esfera), localizou o tal órgão gestão na região afetada pela seca, não no litoral, passou-se a trabalhar de modo permanentemente e discutir e implementar ações pensando no bem-estar da sociedade afetada e daqueles que querem encarar os desafios. Eliminaram-se a mordomias, os falsos profetas, os aproveitadores e aí foi visto que os recursos começaram a ser melhor aplicados.

                O tal órgão, por incrível que pareça tem caráter permanente, acabou-se a seca e ele continuou os trabalhos, afinal, secas e campeonatos de futebol são um atrás do outro.

Lição 5. Vamos tratar em nossa irmã inconveniente

                Lá vem ela. Fofoqueira, mal-educada, fala alto, cria confusão cm tudo, chega sem avisar, deixa todo mundo furioso, mas queira ou não é nossa irmã. A seca é nossa irmã e a certeza de que viveremos com ela sempre. Sendo assim, que se pare o ensaio e se inicie falar de modo sério.

                Quanto à gestão, que estabelecemos uma unidade de controle a gerir e ter acesso as informações de todos que têm suas responsabilidades individuais: previsão climática, gestão de calamidades, crédito, tecnologia e inovação, extensão rural e transferência de tecnologia, gestão de recursos hídricos, construindo um arcabouço de governança capaz de tratar o fenômeno seco como de importância estratégica para o Brasil, frequente, contínuo e determinante. Assim fazendo a Assembleia Legislativa de Pernambuco que encabeçou esta discussão com a ajuda do executivo e do judiciária poderá estar colaborando de modo marcante para, afinal, passarmos a encarar a situação de modo realista. Não há opções diferentes. Creiam todos.

 

Serra Talhada, 09 de dezembro de 2021

 

1.Geraldo Eugênio é   Professor Titular da UFRPE-UAST.

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